A 2 de Novembro
de 1962, Eugénio de Andrade escreve a Jorge de Sena:
Há já tanto tempo que não lhe escrevo! Você não faz
ideia deste exílio de alma que são os dias aqui. Nada sabe a vida. E contudo
não esqueço – lembro-me que você faz anos hoje, e isso leva-me a quebrar este
silêncio para lhe enviar um abraço longo, cheio de saudade, à portuguesa.
Jorge de Sena,
desde São Paulo, é pronto na resposta e escreve no dia 9 de Novembro:
Eu faço ideia, sim, Eugénio, do que seja esse «exílio
de alma», onde «nada sabe a vida». E por várias razões: se bem que saiba – e como
sei! – isso hoje mais triste do que nunca (embora me pareça que, para nossa maior
solidão, nunca os medíocres de todas as cores e feitios terão sido tão felizes
e bafejados de boa sorte editorial e jornalística…), havia muito que a vida aí
me não sabia; e, tendo jogado tudo e acabado aqui, não posso dizer que, na
verdade, ela tenha mudado de gosto… pelo menos o gosto de hoje, vai-se
parecendo muito com o antigo. E porque vou ficando mais velho e mais desiludido
de tudo (vida política, literária, vida tout court), provavelmente que até me sabe pio. As saudades que
tenho dos amigos são imensas; e tê-las-ia sempre. Mas são tornadas mais densas
pela total ausência de convívio, que é, num misto de provincianismo e de
americanismo, a vida brasileira. Ninguém procura ninguém, se ele, no momento
lhe não é necessário para qualquer coisa; e as pessoas têm vergonha de, em
convívio, serem os intelectuais que passam por ser. De resto, eu evitei, desde
sempre, mergulhar num pretenso convívio que existe em São Paulo ou no Rio, e
que é feito de comunidade de negócios literários, de uísques caros, e da
tolerância para com todos os medíocres que a política literária, mais do que
aí, não elimina e antes tolera e cultiva, sem distingui-los da gente decente,
E, como você sabe, nos meios universitários em que vivo, aqui como aí não
abundam os intelectuais ou sequer as pessoas de gosto e de cultura. Dá-se até,
nestes meios, um curioso fenómeno com pessoas como eu ou o Casais as pessoas
evitam conversar, de medo de dizerem tolices que não nos escapariam..,.
Jorge de
Sena/Eugénio de Andrade em Correspondência
Legenda: Jorge
de Sena e Eugénio de Andrade
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