Harry Belafonte era o melhor cantor de baladas da terra
e toda a gente o conhecia. Era fantástico, cantava sobre amantes e escravos –
trabalhadores acorrentados, santos, pecadores e crianças. O seu repertório
estava cheio de antigas canções folk
como «Jerry the Mule», «Tol’ My Captain», «Darlin’Cora», «John Henry»,
«Sinner Prayer» e muitas canções folk das Caraíbas, todas com acordes
que apelavam a uma grande audiência, muito maior do que a dos Kingston Trio.
Harry tinha aprendido canções em primeira mão com o Leadbelly e com o Woody
Guthrie. Gravou para a RCA e um dos seus discos Belafonte Sings of the
Caribbean, tinha chegado a vender um milhão de cópias. Era também uma estrela
de cinema mas não como o Elvis. Harry era um verdadeiro durão, na linha do
Brando ou do Rod Steiger. Era dramático e intenso no ecrã, tinha um sorriso
arrapazado e uma hostilidade intrínseca. No filme Odds Against Tomorrow não se
dá por que seja um actor, por que seja o Harry Belafonte. A sua presença e
magnetitude eram amplas. Harry era como Valentino. Bateu todos os records de
bilheteira como intérprete. Tanto podia tocar para uma casa cheia no Carnegie
Hall como aparecer no dia seguinte num comício de sindicalistas num centro de têxteis.
Era-lhe absolutamente indiferente. Pessoas eram pessoas. Ele tinha ideais e
fazia-nos sentir como parte da raça humana. Nunca houve nenhum intérprete que
fosse tão longe, Chegava a todos, quer fossem operários siderúrgicos,
patrocinadores ou adolescentes, até mesmo crianças – toda a gente. Tinha essa
rara aptidão. Disse algures que não gostava de aparecer na televisão porque
achava que a sua música não podia ser bem representada no pequeno ecrã e
provavelmente tinha razão. Tudo nele era gigantesco. Os puristas do folk
tinham um problema com ele, mas Harry – que podia ter dado um pontapé no rabo a
todos – não se incomodava nada, dizia que os cantores folk eram todos
intérpretes, afirmou-o publicamente, como se alguém lhe tivesse encomendado o
sermão. Até disse que detestava as músicas pop, achava que eram lixo.
Identificava-me com o Harry de todas as maneiras. Em tempos ficou à porta de um
famosos clube nocturno de Copacabana por causa da sua cor e mais tarde, acabou
por ser o artista principal daquela espelunca. É inevitável imaginar-se as
emoções que poderiam ter sido despertadas com uma coisa destas. Por mais
espantoso e inacreditável que possa parecer, eu iria fazer a minha estreia de
gravação profissional com o Harry a tocar harmónica num dos seus álbuns chamado
Midnight Special. Estranhamente, estas datas de gravação foram as únicas que
guardei durante anos na cabeça. Mesmo as das minhas próprias sessões de
gravação acabariam por perder-se na memória. Com Belafonte senti que, de alguma
maneira, tinha ficado consagrado. Ele fez por mim o mesmo que o Gorgeous George
fizera. Harry era aquele género raro de personagem que irradia grandeza e
fica-se na esperança que aquilo seja algo que se pegue. O homem impõe respeito.
Apesar de o ter podido fazer, é sabido que nunca escolheu o caminho fácil.
Bob Dylan em
Crónicas
Legenda: HarryBelafonte
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