Já está à venda
uma nova edição de O Canto e as Armas de Manuel Alegre, comemorativa dos
50 anos da 1ª edição.
No meu exemplar
pode ler-se:
Este livro edição do autor foi composto e impresso em
Novembro de 1967 na Tipografia do Carvalhido no Porto.
A capa, composta
a partir de uma fotografia de Eduardo Gageiro, não tem indicação de autor.
Deste livro,
Adriano Correia de Oliveira, retirou poemas, musicou-os, e ao álbum não teve
qualquer dúvida em dar-lhe o mesmo nome do livro.
A primeira faixa
do álbum, E de Súbito um Sino, é também o primeiro poema do livro, cujos
primeiros versos são ditos pelo actor Ruy Mendes:
Eis como tudo
entra de súbito
pelas palavras:
a terra e o mar
as mãos e as vozes.
Tua guitarra
povo. Teu génio.
E o teu silêncio
É de súbito um sino
Tocado pelo vento
Em todas as aldeias do meu sangue.
Poemas e canto
que marcam toda uma geração, e não só uma geração, diga-se.
Esta nova edição
de O Canto e as Armas tem prefácio de Mário Cláudio.
Que começa
assim:
O convívio com um texto no espaço que o justifica,
quando não resulta de um privilégio da nossa escolha, poderá corresponder a uma
consequência da força das circunstâncias. Calhou-me dialogar com O Canto e as
Armas nas bolanhas da Guiné onde cumpria a minha comissão de serviço militar
obrigatório, e no verbo «cumprir», e no adjectivo «obrigatório », não pouco se
insinuará do animus que terá comparecido à leitura. Não se tratando de uma proposta
«neonefelibata», igual às que aliás informavam boa parte da poesia que nesse
tempo se ia escrevendo na chamada «Metrópole», o texto de Manuel Alegre
engastava o «espírito» no exacto lugar que o segregara, e onde o subscritor
destas linhas se encontrava. Eu estava numa guerra, e numa guerra injusta, na
qual muitos se envolviam desmotivadamente, como estaria qualquer leitor de Moby
Dick a bordo de um baleeiro de Nantucket, e em busca do Leviatã branquíssimo,
ou de Guerra e Paz na estepe gelada da Campanha da Rússia, e sob o comando de
Napoleão. E quanto ao vocabulário estruturante de toda a obra literária, eis
que coincidia ele com o que por então povoava a nossa fala quotidiana,
percorrida por «bazucas e morteiros e estilhaços», por «granadas», e por «metralhadoras».
Não me recordo de outro livro, a não ser talvez o de Job, eleito em momentos de
infortúnio, que se me tenha amassado tão imediatamente no sangue.
Mas O Canto e as Armas assegurar-nos-ia ainda, a
muitos, e a mim também, a permanência de um horizonte longínquo, o da terra
europeia que nos fora berço, evocando o regaço da Mãe superlativa, por quem
clama ao que se diz cada soldado antes de ascender a herói ou, o que valerá o
mesmo, ao plano de quem «jaz morto e arrefece». Era a absoluta ruralidade que
investia por aquelas páginas, conforme à grande paisagem, natural e humana, que
a desertificação não avassalara ainda, e que haveria de enquadrar os anos
seguintes. Despertavam de facto por ali criptomnésias de um pequeno paraíso
agro-pastoril, «arados» e uma «espiga», ou «uma flor de verde pinho», a pontuar
«oitenta e nove mil quilómetros quadrados».
Alguns dos
poemas de Praça da Canção, como os deste livro, registam o aparecimento
de um tal País de Abril, adivinhações, sonhos de Manuel Alegre.
É em O Canto
e as Armas que está Poemarma, onde a dado ponto se pode ler:
Que o poema seja microfone e fale
uma noite destas de repente às três e tal
para que a lua estoire e o sono estale
e a gente acorde finalmente em Portugal.
Assim foi, como
alguns, cada vez menos, se lembram.
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