sexta-feira, 24 de março de 2017

O MUNDO DESPROVIDO DE ENCANTO


Quando o Fred morreu, celebrou-se missa em sua honra na Mariner’s Church, em Detroit, a mesma igreja onde nos tínhamos casado.
Na noite da missa, o meu irmão Todd veio ter comigo a minha casa mas eu ainda estava deitada.
- Não condigo – disse-lhe
- Tens de ir – disse ele com firmeza, e abanou-me até eu sair daquele torpor, ajudou-me a vestir e levou-me à igreja. Pensava no que havia de dizer quando se começou a ouvir no rádio a canção «What a Wonderful World». Sempre que a ouvia o Fred dizia: Trisha, é a tua canção. Porque é que tem de ser a minha canção?, dizia eu a protestar. Nem sequer gosto do Louis Armstrong. Mas ele insistia que aquela era mesmo a minha canção. Parecia ser um sinal do Fred, por isso decidi cantar «What a Wonderful World» a capella na missa. À medida que cantava ia sentindo a beleza simples da canção, mas continuava sem perceber a razão por que ele a ligava a mim, uma pergunta que demorei tempo de mais a fazer-lhe. Agora a canção é tua, disse eu, dirigindo-me ao lento infinito da morte. Parecia que o mundo tinha ficado desprovido de encanto. Não consegui escrever poemas de emoção. Não vi o espírito do Fred perante mim nem senti a trajetória rodopiante da sua viagem.

Patti Smith em  M Train

Legenda: Fred no Dia do pai, Lake Ann, Michigan

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