As amarguras do
exilado José Rodrigues Miguéis, percorrem as diversas cartas que escreveu a
José Saramago, enquanto editor da Estúdios Cor.
Findar de carta
datada de 26 de Abril de 1961:
Só me arrelia saber que vou esperar agora mais UM MÊS
pela sua próxima carta! É que quase ninguém me escreve: sinal dos tempos ou
temporais.
Esperou mais de
um mês.
Saramago escreve-lhe
no dia 12 de Maio, outra carta a 26 do mesmo mês, mais uma a 30 de Junho.
Miguéis responde a 3 de Julho, curta carta de Saramago a 31 de Julho, dando
conta da venda dos livros de Miguéis e o envio de um cheque de 4 contos
referente a direitos.
A 15 de Agosto
escreve Miguéis:
Enquanto o avião vai e vem, folga o ocioso (EU) – Não lhe
escrevo (raio de penas!!) para lhe forçar a mão a escrever-me pois bem imagino
o que é a sua vida de trabalho. No entanto, neste violentamento cada vez maior
e (pior), e no desgosto dos acontecimentos que me fazem sentir tão
profundamente inútil como escritor – quanto como (ex-) homem de acção – sempre que
me ocorrem ideias gosto de as lançar ao papel, amigo passivo e silencioso.
Mais um
desabafo, no findar da carta:
Ainda haverá esperança para este desgraçado país?
Quantos cadáveres passando por vivos! Espectros – nem sequer ibsenianos! –
Quase ninguém me escreve, nem eu escrevo: isolado no corpo e no espírito. Mas
inda resta em mim um pouco da vocação de Mártir…
Um mês depois
desta carta, Miguéis entra sem paninhos quentes:
Como imagino de longe a COR muito corada de vergonha
pelo abandono a que me tem votado, resolvi interromper o meu silêncio para os
tirar do embaraço! Que se passa? Continuam a reorganizar o escritório? Viajam?
Gozam férias? Arrepelam-se de crise? O calor dissolveu-os? – Os últimos
cheques, com carta chegaram a 4 de Agosto. Todos os dias abro a caixa do
Correio na esperança de notícias, uma palavra animadora, talvez um cheque –
embora este último me chegue a parecer menos importante, apesar da situação em
que vivo. (Tive de aceitar um trabalho técnico para obviar as despesas
correntes, e cobrir o prejuízo do roubo de que fomos vítimas no domingo 30 de
Julho: assaltaram a na/ casa, durante a n/ ausência, e roubaram-nos roupas (4
fatos meus), relógios, rádios, as poucas joias de minha mulher, etc. – ao todo
algumas centenas de dólares; além dos estragos e despesas que fizemos a pôr
fechaduras e trancas – depois da casa roubada…)
A 22 de
Setembro, Saramago dá notícias, sinceras:
Oh, quão corado estou, realmente! De todo este mau
proceder, bem me parece que sou eu o maior responsável. Da falta do envio das
«massas» e do resto. Das «massas» porque tendo o Canhão e o Correia ido para
férias, eu não tomei as devidas providências necessárias para que a conseguida
regularidade de pagamentos não sofresse interrupção. Do resto, da falta de
notícias tout court, devidas por todas as razões, que mais não fosse para o
acompanhar nesse tremendo aborrecimento do roubo, ainda mais responsável sou.
Mas caí naquela atitude cobarde de quem para não ter que dar uma explicação (aliás
inevitável) acaba por agravar a situação. De tudo peço que me desculpe, ainda
que reconheça que tem boas razões para estar magoado comigo.
Legenda: José Rodrigues
Miguéis, desenho de André Carrilho
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