Primeiro de
quatro apontamentos escritos por António Gedeão aquando de uma das suas idas
para as Termas da Curia, acompanhado da filha Maria Cristina e que se encontram
em Rómulo de Carvalho/António Gedeão, Príncipe Perfeito:
Difícil é avançar numa viagem destas, o homem que eu
sou, é maravilhoso, é sim, já fui macaco, hoje ando a pé sobre os meus membros,
pernas e pés, é maravilhoso, vejo tudo a correr na direcção contrária àquela em
que avanço, a correr mesmo, o ar, o céu, o mar, as árvores, os campos, as
cidades, o casario disperso, tudo corre antes de mim e na direcção contrária,
curioso, eu avanço, tudo o resto avança para trás! De forma que todas as cores
se resumem numa só, tal é a velocidade!, que admito ver através da janela deste
comboio uma faixa esbranquiçada como fumo a esvair-se em pressa, a desmaiar, a
desmaiar e olho sem desviar o olhar sempre em frente pelo vidro da janela, a
noite que se aproxima, há um som, um silvo, não sei, não percebo, sinto-me leve
a levitar, vejo-me refletido no vidro, a minha cabeça redonda e calva, olhos
vivos, a atenção, a curiosidade, não quero adormecer nem quero dormir apesar da
noite que é verdade e o comboio que desliza, o homem já assoma, vem a pergunta
«boa noite, o bilhete, por favor?» e lá vou eu na doce, na dulcíssima
trepidação, neste ligeiro estremecimento até Florença, até Veneza, até Londres,
até paris, até Lisboa, até Coimbra, até ao Porto, até a casa, regresso a casa,
regresso-te, regresso-me, exalto-me e não me canso, eu vivo, eu vou, eu conheço
e mais ainda e tudo o que eu desejo são explosões desta vida que dão o sopro
desejado para ferver, para esfriar, ferver, esfriar, ferver, esfriar, quero e
quero e quero e posso!
Catarina
Carvalho em Rómulo de Carvalho/António Gedeão, Príncipe Perfeito
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