Portugal sinaliza o dia de hoje como aquele em que se
confirmaram, no país, os primeiros casos de Covid-19.
Brecht disse
que escapou aos tubarões, abateu os tigres mas acabou devorado pelos percevejos.
Passou um ano e parece que foi ontem.
Lembro-me… Lembro-me do andar lento, triste, trágico
daqueles dias cruéis.
Passagem serena, não exaustiva, por algumas das
palavras que por aqui ficaram:
Quando no final do ano passado (2019), começou a ler notícias do que estava a acontecer numa localidade da China, comentou de si para si, que isso era lá longe, muito longe mesmo, e que os chineses rapidamente resolveriam o problema.
Quando na página 21 do Público de 23 de Fevereiro, um domingo, leu a notícia, a 2 colunas, que se registaram duas mortes e seis dezenas de infectados por coronavírus, em Itália, ficou assim a olhar, meio aparvalhado, e guardou o recorte.
Porque a Itália não é tão longe como a China.
Não saberia, contudo, imaginar o inferno que se iria abater sobre a Europa, sobre o Mundo.
Como se vivem estes dias difíceis?
Não sei.
Ando para aqui a apanhar papéis, pedaços de livros, músicas, rasgos de quotidianos, sei lá que mais.
As palavras já não me saltam para exprimir o que quero dizer…
Alguma coisa se passa.
Raios parta o Covid-19!
Nesta clausura, lembrei-me de uns versos que Ruy Belo colocou no seu poema Ácidos e Óxidos:
«Não achas que a esplanada é uma pequena pátria
a que somos fieis? Sentamo-nos aqui como quem nasce.»
As horas em que não sabemos uns dos outros: família, amigos…
O acabar de cada dia é o testemunho de uma profunda e amarga nostalgia.
Há que pontapear as quebras de ânimo, a angústia do guarda-redes, também do pontapeador, no momento do penalty.
Chegamos? Não chegamos?
O aproximar da janela, olhar o andar lento do tempo, o ter que suportar a angústia dos dias, o desencontro dos afectos, saber também, como dizia o filósofo que nenhum vento sopra a favor de quem não sabe para onde ir.
Chegamos? Não chegamos.
E se todos os sacrifícios por que vamos passando não servirem para nada?
Cumpro as regras que me impõem mas se, por um segundo apenas, uma leve distracção o sacana do vírus me entra porta dentro?
Cada doente de Covid-19 transmite a infecção a outra pessoa. Este risco tem vindo a aumentar, disse, hoje, a senhora ministra.
Sente que para continuar a viver os dias de pesadelo, teremos que viver de forma mais inteligente.
Mas os tempos são medíocres, repletos de chicos-espertos-opinativos, repletos de aldrabões e oportunistas.
Tem saudades da vida, mesmo sabendo que essa vida não tinha excepcionalidades por aí além, mas era a sua vida, a possível.
Sobram-lhe muitas dúvidas que isso venha a acontecer.
Quando os gestos diários estão sujeitos a estados de emergência ou de calamidade, sabe que nada disso lhe provoca serenidade, tentará o seu melhor esforço para irradiar um ligeiro optimismo, mas…
Dois seres arrastam-se pela casa, trocam umas palavras, quase sempre as mesmas, não há os gritos nem as gargalhadas dos netos, ouve-se música, olham-se os livros, mais ou menos de três em três dias, o cheiro do bolo de laranja, outras vezes limão…
Patti Smith no seu
livro O Ano do
Macaco, colocou uma epígrafe de Antonin Artaud:
«Abate-se sobre o mundo uma loucura fatal.»
Até hoje, devido ao Covid-19, morreram 16 389 portugueses, o mundo regista 2 557 969.
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