terça-feira, 2 de março de 2021

OS DIAS TÃO DIFÍCEIS... TÃO CRUÉIS


Portugal sinaliza o dia de hoje como aquele em que se confirmaram, no país, os primeiros casos de Covid-19.

Brecht disse  que escapou aos tubarões, abateu os tigres mas acabou devorado pelos percevejos.

Passou um ano e parece que foi ontem.

Lembro-me… Lembro-me do andar lento, triste, trágico daqueles dias cruéis.

Passagem serena, não exaustiva, por algumas das palavras que por aqui ficaram:

Quando no final do ano passado (2019), começou a ler notícias do que estava a acontecer numa localidade da China, comentou de si para si, que isso era lá longe, muito longe mesmo, e que os chineses rapidamente resolveriam o problema.

Quando na página 21 do Público de 23 de Fevereiro, um domingo, leu a notícia, a 2 colunas, que se registaram duas mortes e seis dezenas de infectados por coronavírus, em Itália, ficou assim a olhar, meio aparvalhado, e guardou o recorte.

Porque a Itália não é tão longe como a China.

Não saberia, contudo, imaginar o inferno que se iria abater sobre a Europa, sobre o Mundo.

Como se vivem estes dias difíceis?

Não sei.

Ando para aqui a apanhar papéis, pedaços de livros, músicas, rasgos de quotidianos, sei lá que mais.

As palavras já não me saltam para exprimir o que quero dizer…

Alguma coisa se passa.

Raios parta o Covid-19!

Nesta clausura, lembrei-me de uns versos que Ruy Belo colocou no seu poema Ácidos e Óxidos:

«Não achas que a esplanada é uma pequena pátria

a que somos fieis? Sentamo-nos aqui como quem nasce.»

As horas em que não sabemos uns dos outros: família, amigos…


O acabar de cada dia é o testemunho de uma profunda e amarga nostalgia.

Há que pontapear as quebras de ânimo, a angústia do guarda-redes, também do pontapeador, no momento do penalty.

Chegamos? Não chegamos?

O aproximar da janela, olhar o andar lento do tempo, o ter que suportar a angústia dos dias, o desencontro dos afectos, saber também,  como dizia o filósofo que nenhum vento sopra a favor de quem não sabe para onde ir.

Chegamos? Não chegamos.

E se todos os sacrifícios por que vamos passando não servirem para nada?

Cumpro as regras que me impõem mas se, por um segundo apenas, uma leve distracção o sacana do vírus me entra porta dentro?

Cada doente de Covid-19 transmite a infecção a outra pessoa. Este risco tem vindo a aumentar, disse, hoje, a senhora ministra.

Sente que para continuar a viver os dias de pesadelo, teremos que viver de forma mais inteligente.

Mas os tempos são medíocres, repletos de chicos-espertos-opinativos, repletos de aldrabões e oportunistas.

Tem saudades da vida, mesmo sabendo que essa vida não tinha excepcionalidades por aí além, mas era a sua vida, a possível.

Sobram-lhe muitas dúvidas que isso venha a acontecer.

Quando os gestos diários estão sujeitos a estados de emergência ou de calamidade, sabe que nada disso lhe provoca serenidade, tentará o seu melhor esforço para irradiar um ligeiro optimismo, mas…

Dois seres arrastam-se pela casa, trocam umas palavras, quase sempre as mesmas, não há os gritos nem as gargalhadas dos netos, ouve-se música, olham-se os livros, mais ou menos de três em três dias, o cheiro do bolo de laranja, outras vezes limão…

Patti Smith no seu livro O Ano do Macaco, colocou uma epígrafe de Antonin Artaud:

«Abate-se sobre o mundo uma loucura fatal.»

Até hoje, devido ao Covid-19, morreram 16 389 portugueses, o mundo regista 2 557 969.

 

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