O Ano do Macaco
Patti Smith
Tradução: Helder
Moura Pinheiro
Capa: Rui Rodrigues
Quetzal Editores,
Lisboa, Agosto de 2020
Prolongo a minha estadia na cidade de Pessoa, embora não seja fácil dizer o que ando a fazer. Lisboa é a cidade ideal para nos deixarmos levar pelo tempo. Manhãs em cafés a escrevinhar umas coisas em mais um caderno, parecendo que cada página em branco oferece uma fuga, ao receber a fluidez constante da caneta. Durmo bem, sonho pouco, limito-me a existir apenas num intervalo que ninguém interrompe. Num passeio ao crepúsculo, a música ecoa pela velha cidade, evocando em mim a voz harmoniosa do meu pai a trautear baixinho Lisbon Antigua, precisamente uma das suas melodias favoritas. Lembro-me de, em criança, lhe ter perguntado o que queria dizer o título. Ele sorriu e disse que era um segredo.
E agora, amigos meus, repicam os sinos ao início da noite. Candeeiros
iluminam as ruas calcetadas. No meio de um silêncio que lembra os quadros de
Edward Hopper, faço o caminho que Pessoa fez tantas vezes. Um escritor capaz de
criar personalidades distintas de ver o mundo, e tantos diários, assinados por
tantos nomes. Caminhando pelas calçadas de paralelepípedos, passo por uma janela
e vejo um senhor todo bem-posto ao balcão de um bar, ligeiramente debruçado, a
escrever qualquer coisa num caderno.
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