Carta de Mário-Henrique Leiria, datada de
Paris 7 de Agosto de 1961, para Maria Isabel, advogada da mulher, Dietlinde, no
processo de divórcio que corre os normais trâmites judiciais.
Acontece, porém, que o homem do gin se
apaixonou por Maria Isabel.
Cara Maria Isabel
Por aqui, tudo a
correr exactamente como previsto. Simplesmente, há dentro de mim um vazio que
já não consegue ser preenchido só com as actividades de cabeça. Muito sério,
muito digno o dia inteiro, afirmando e discutindo com gentes dos mais vários
países, eficiente e cumprimentado, perfeito exemplo do “partisan” duro e frio,
e depois…? Depois, vazio, vazio por dentro, permanentemente vazio, sem mais nada
a que me agarrar, sem o direito de ter um pouco de coração (só um pouco, não
peço muito) e um pouco de companhia, daquela companhia total que julguei que
era a Dietlinde. Irra, que é de cansar… Até mesmo Paris já não é Paris que eu
tão bem conheci. Irrita-me toda esta imitação de sociedade irreverente que,
afinal, nada mais é que o reflexo de uma sociedade a desfazer-se em trampa e
que sinto já não ser a minha… Nem mesmo o êxito do cabelo rapado… que foi e é
um êxito, cara doutora, com grande pasmo meu! Aqui também não há nem uma tola
pelada; muita barba, muita guedelha indecifrável, mas tolas sem pêlo, ainda não
vi nenhuma a não ser a minha. Êxito entre os camaradas, e muito mais entre as
petizas… que eu não quero, não vim para cá para êxitos, nem mesmo com petizas.
Olhe, Maria Isabel, aqui, em Paris, eficiente e duro “partisan”, ainda mais
sinto que, afinal, estou irremediavelmente pela minha mulher… Um sarilho, é o
que lhe digo, que só se curará com o tal pêlo do mesmo cão (onde está ele’) ou
então, indo para longe, para muito longe, para outro mundo e outra sociedade… e
mesmo assim…
(…)
Quanto à volta,
espero estar por aí a 15… Se você ainda existir em Portugal, diga-me qualquer
coisa, mas não para a Regisconta, porque aí já não existo eu… graças sejam
dadas aos símbolos do sétimo inferno. Se não estiver, diga-me ao voltar.
Cara Mª Isabel,
quero pedir que me desculpe esse pequeno desabafo, que por aqui vai acerca de
vazios e amores por esposas… Desculpe-o e esqueça-o. Eu desabafo muito
raramente e só em último extremo e com “pouquíssimas pessoas… Quanto à vida
diária e a quem me rodeia, prefiro continuar a preferir que me considerem o
duro e cínico do costume… ainda bem.
Um abraço firme do
Mário-Henrique