quinta-feira, 6 de julho de 2017

DA PRIMAVERA MARCELISTA


Carta de José Saramago, datada de 16 de Dezembro de 1968, para José Rodrigues Miguéis:

Notícias daqui, não há muitas para dar. No fim de contas, os jornais dizem tudo… Após a ilusão de alguns, veio a desilusão de todos. Por mim, que tenho diploma de céptico, isto não tira nem põe. (…)
De mim, propriamente dito, também não há muito que dizer: é o jornal, é a editora, e entre estes dois pólos vai vivendo o meu descontentamento. Bem gostaria de tirar o corpo da engrenagm, mas já não é possível: vou defendendo a alma conforme posso, mas essa mesma já se vai descobrindo comprometida. A chamada vida prática tem muitas exigências.
Espero as suas notícias. E peço-lhe que não faça caso da aridez desta carta: ontem deu-me para recordar o meu avô camponês – e fiquei assim: amargo. Felizmente para a literatura portuguesa deu crónica… Manha de literato, defeito de escriba: tudo acaba por se transformar em literatura…

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