Há uma frase de Jorge Listopad:
As minhas
bibliotecas foram-se fazendo e desfazendo com casamentos, divórcios,
separações…
José Saramago fala de livros e divórcios no
1º Volume dos Cadernos de Lanzarote:
Na Feira aparece
uma pessoa a comprar todos os meus livros. Põe-nos todos diante de mim para que
os autografe, os grossos e os finos, os caros e os baratos, trinta e tal contos
de papel, conforme vim a saber depois, e o que me desconcerta é que o homem não
é um convertido recente ao “saramaguismo, um adepto de fresca data, um neófito
disposto às mais loucas ousadias, pelo contrário, fala do que de mim leu com à
vontade e discernimento. Resolvo-me a perguntar-lhe a razão da ruinosa compra,
e ele responde simplesmente, com um sorriso onde aflorou uma rápida amargura:
“Tinha-os todos, mas ficaram na outra casa.” Compreendi. E depois de ele se ir
embora, ajoujado sob a carga, pus-me a pensar na importância dos divórcios na
multiplicação das bibliotecas…
No 1º volume de O Caderno retoma o tema:
Por duas vezes, ou talvez tivessem sido três,
apareceram-me na Feira do Livro de Lisboa, em anos passados, outros tantos
leitores, os dois ou os três, ajoujados ao peso de dezenas de volumes novos,
comprados de fresco, e em geral ainda acondicionados nos sacos de plástico de
origem. Ao primeiro que assim se me apresentou fiz-lhe a pergunta que me
pareceu mais lógica, isto é, se o seu encontro com o meu trabalho de escritor
havia sido para ele coisa recente e, pelos vistos, fulminante. Respondeu-me que
não, que me lia desde há muito tempo, mas que se tinha divorciado, e que a ex-esposa,
também leitora entusiasta, havia levado para a sua nova vida a biblioteca da
família agora desfeita. Ocorreu-me então, e sobre isso escrevi umas linhas nos
velhos Cadernos de Lanzarote, que seria interessante estudar o assunto do
ponto de vista do que nessa altura designei como a importância dos divórcios na
multiplicação das bibliotecas. Reconheço que a ideia era algo provocadora, por
isso deixei-a em paz, ao menos para não vir a ser acusado de colocar os meus
interesses materiais acima da harmonia dos casais. Não sei, nem o imagino,
quantas separações conjugais terão dado origem à formação de novas bibliotecas
sem prejuízo das antigas. Dois ou três casos, que tantos são os que conheci,
não foram suficientes para fazer nascer uma primavera, ou, por palavras mais
explícitas, por aí não melhoraram nem os lucros do editor, nem a minha cobrança
direitos de autor.
Legenda: pintura
de Félix Vallotton
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