Amor, Só Amor, Tudo Amor
Alexandre Pinheiro
Torres
Capa: José Serrão
Editorial Caminho,
Lisboa, Março de 1999
O vento, gélido e duro como a beira de um sino, torturava as janelas.
Lá dentro. No quarto as vidraças escorriam. Aposento pequeno, onde só poderia
haver como fonte de aquecimento o bafo de quem lá respirasse.
Na fachada da pensão, a dona anunciava ar condicionado na esperança de
atrair turistas na época baixa. Sempre se estava ali quase em cima do mar. As
vistas bastariam como compensação: o caldeirão das ondas de um Atlântico
desgrenhado por aquele vento, sem pente que lhe alisasse o cabelo. Quase fim de
Abril. A época não era baixa, mas baixíssima. Turistas, o que a D. Joana Bilhau
sabia. Um desastre. Dias e dias sem uma cama ocupada. Era pôr lâmpadas de pequena
voltagem, quase lamparinas, não ligar o ar condicionado, tudo era lucro. Cada
um que se aquecesse.
E a eterna desculpa dela, os electricistas não vêm, passo a vida a
telefonar para Óbidos, no Baleal não há ninguém que conserte nada, e eu que
sofra com a desdita dos meus queridos hóspedes.
Sim, ela sofria! E de que maneira! Metia-se no seu pequeno quarto, ao
rés-do-chão, punha o aquecedor eléctrico no máximo, a olhar as paradas
militares na televisão, os heróis a partir para África, os jogos do Benfica,
teatradas, escritores de cachimbo. O Eusébio deixara de jogar. Ali, viúva, a
arredondar a reforma do marido, mecânico de submarinos, a morrer, o bandido, de
uma facada num bar de Tânger, cheio de putas. Mas, morrer num bar de putas
sempre tinha o seu chique. E tanto insistiu no chique que passou a ser conhecida pela mulher submarina.
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