Esta é a última carta
de José Saramago, datada de 8 de Novembro de 1971, aquela em que Saramago confirma
a Miguéis a saída da editora Estúdios Cor:
Querido Miguéis:
Se um homem vai a passar junto da Torre de Pisa e a torre lhe cai em
cima e o esmaga, todo o mundo achará natural, pois a torre já estava inclinada.
Até se pensará que há certa beleza em ficar esborrachado debaixo de tão
ilustres pedras.
Mas se em cima desse homem desaba, sem aviso prévio, um enorme monte de
merda, todo o mundo ficará espantado, pois não são costumeiros tais desabamentos,
nem ninguém será capaz de perceber donde veio tão grande quantidade de trampa.
Estas considerações escatológicas têm a seguinte explicação: demiti-me
da editora em virtude de me terem criado uma situação vexatória, qual seja a demissão
de um novo director literário (Natália Correia), imposto pelo grupo financeiro
que tomou posição na firma.
Tudo isto se passou na minha ausência de férias (entre 15 de Outubro e
2 de Novembro), e depois de ao longo de anos se ter dito aqui, em todos os
tons, que nunca se quereria um director literário realmente director. E quando
a questão foi posta aos Srs. Canhão e Correia, estes senhores não tiveram a
coragem moral mínima de defenderem a minha posição aqui dentro, o meu trabalho
de quinze anos. Aceitaram tudo a troco do prato de feijões. Venderam-me,
supondo que eu estava à venda. No que se enganaram.
Aliás, tudo isto já vem de longe. Por alguma razão as suas cartas têm
caído num poço de silêncio. Tenho-me recusado a tratar de certos assuntos
enquanto toda a minha situação na editora não fosse esclarecida de vez. Acabou
por sê-lo agora, em termos que, confesso, não esperava. Porque a safadeza ainda
foi maior que a minha ingenuidade.
Saio no dia 31 de Dezembro para entregar, com tempo, os assuntos
noutras mãos, mas foi a partir do dia 3 de Novembro que deixei de tratar de
qualquer questão para além do que considero ser minha estrita obrigação. Outras
pessoas comunicarão consigo para tratar dos seus assuntos.
E é tudo. Se no dia em que daqui sair não tiver ainda (já) outro
emprego, começo o ano da estaca zero, completamente desprovido. Mas continuo a
ter uma grande consideração por mim mesmo.Em Correspondência
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