Balada da Praia dos Cães
José Cardoso Pires
Capa. João Segurado
Edições «O Jornal»,
Lisboa, Novembro de 1982
Meia noite e meia. À saída do Condes, um Volkswagen da PSP à porta do
Arcádia para despejar o capitão Maia Loureiro em sobretudo pêlo de camelo.
Aquele de dia passeia-se pela cidade a comandar o trânsito com cara de mau e à
noite esconde-se nas putas com cara pior. Lá mais para o espairecer vão chegar
os Manos Tropelias que são condes de torre, cavalo e xeque-mate, e vai ser
champanhe até vir o Dom Sebastião a cavalo marroquino. Andante, andante que um
chefe de brigada contenta-se com chazinho para a sossega e já não vai nada mal.
O chá na Cervejaria Ribadouro; Isto não é uma cervejaria, é uma baía de
cascas de tremoços com canecas à deriva. Chulos do Parque Mayer a atacarem o
fastio na perna da boa santola, chauffeurs de praça a combinarem a sua
bandeirada de jogo num casino clandestino para os lados de Arroios ou para
Campolide que são bancas de entendidos por ode a polícia faz que não vê, Um
galador de coristas a puxar fumaças à distância. A dona Lurdes, abortadeira.
Mestres-de-obras a arrotar. Oh, senhores
Entre tanto desmazelo um chá e uma boa torrada sempre são outro asseio.
Indispensáveis depois dum tecnicolor imperial, com czares e balalaicas e raspustines
à bardalonga. Primeiros golos com o pão ensopado. Duas ou três frases da valsa
do Tchaikovsky recordadas entre dentes.
Aí pelo meio da torrada chega o pintor Arnaldo que anda a cumprir a
penitência de noivo da esfinge, aviando versos sociais ao domicílio. Faltava este.
Não entra sequer: do alto do seu bem apessoado, luva e carnet na mão, declama a
rima à porta e desanda. A nessa dos mestres-de-obras olha em redor a ver se
percebe; pelo sim pelo não consulta mais umas lagostas.
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