segunda-feira, 10 de julho de 2017

ESTAMOS FARTOS DE AMÉRICA


Carta de Jorge de Sena, datada de 15 de Janeiro de 1970, para Eugénio de Andrade:

Nem eu nem a Mécia aguentamos mais, além disso, os rigores do inverno aqui. Mas, realmente, do que estamos literalmente fartos é de América, apesar de todas as vantagens. Isto é só para quem vem de pé descalço de sapato e cultura – e a reacção anti-liberal é geral e assustadora. Para que vejas: um recente inquérito mostrou que 70% da população com mais de 25 anos aplaudiria a instalação da… Censura. E essa gente é a mesma que aplaude as violências policiais, os regimes de excepção nos outros países, os massacres no Vietnam, etc. E a tristeza é ver-se como mesmo os liberais estão condicionados pela mitologia americana. O outro dia, numa reunião de professores de Literatura Comparada (para cujo departamento fui nomeado em acumulação), um deles, que me não conhecera ainda, disse-me tranquilamente o seguinte: - Ah, o senhor é português… Tive um amigo sírio que não era mais branco que você…
Neste momento, estou assoberbado de trabalho, mas evidentemente que não me recuso colaborara no volume de ensaios sobre ti. O que eu preciso de saber ao certo é qual é a medida do «brevemente», nos planos do Cruz Santos, para preparar-me na ordem das prioridades inevitáveis a que estou preso.

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