Carta de Jorge de
Sena, datada de 15 de Janeiro de 1970, para Eugénio de Andrade:
Nem eu nem a Mécia aguentamos mais, além disso, os rigores do inverno
aqui. Mas, realmente, do que estamos literalmente fartos é de América, apesar
de todas as vantagens. Isto é só para quem vem de pé descalço de sapato e
cultura – e a reacção anti-liberal é geral e assustadora. Para que vejas: um
recente inquérito mostrou que 70% da população com mais de 25 anos aplaudiria a
instalação da… Censura. E essa gente é a mesma que aplaude as violências
policiais, os regimes de excepção nos outros países, os massacres no Vietnam,
etc. E a tristeza é ver-se como mesmo os liberais estão condicionados pela
mitologia americana. O outro dia, numa reunião de professores de Literatura
Comparada (para cujo departamento fui nomeado em acumulação), um deles, que me
não conhecera ainda, disse-me tranquilamente o seguinte: - Ah, o senhor é
português… Tive um amigo sírio que não era mais branco que você…
Neste momento, estou assoberbado de trabalho, mas evidentemente que não
me recuso colaborara no volume de ensaios sobre ti. O que eu preciso de saber
ao certo é qual é a medida do «brevemente», nos planos do Cruz Santos, para
preparar-me na ordem das prioridades inevitáveis a que estou preso.
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