Rómulo de
Carvalho, a determinado passo das suas Memórias, fala de alguns dos seus
amigos. Carlos e Sérgio são lembrados.
Este admirável rapaz (Sérgio) foi meu companheiro de estudo no liceu. Era uma
inteligência comum mas de qualidades humanas excepcionais. Terminou o liceu e
não continuou os estudos, em parte por dificuldades económicas e em parte por
não se sentir com vocação para isso. Empregou-se e foi funcionário dos
Correios. Com ele pensei e aprofundei a política; em comum debatemos, dia-a-dia,
o futuro dos homens. Gizámos e desencadeámos devastadoras revoluções sociais
naquele pequeno quarto, à sombra da bandeira vermelha da foice e do martelo.
Eram comunistas as nossas tendências e por isso nos entendíamos bem, arrasando
o capitalismo, lendo e comentando o jornal operário de então, A Batalha.
Falávamos em voz baixa por causa dos vizinhos e não conservávamos em nossas
casas nenhuma das publicações clandestinas que nos chegavam às mãos. Rasgávamos
tudo depois de rangermos os dentes com aqueles excitantes. Apesar da sua
timidez colaborou muito no Liberdade, quase em todos os números, e era
homem para se sacrificar pelos seus ideais de justiça social.
(…)
É curioso o modo como convivíamos, eu e os meus
saudosos amigos. Havia entre nós a máxima intimidade, a máxima confiança e,
contudo, dir-se-ia que éramos cerimoniosos uns com os outros. Tínhamos atenções
mútuas, delicadezas de trato, e até rodeávamos de palavras cautelosas certas
conversas próprias de rapazes acicatados pelos impulsos eróticos. A culpa era
toda minha porque os escolhi à minha imagem e semelhança e neles procurei os
meus virtuosos defeitos. Contudo tenho a impressão de que as relações entre
todos, amigos e não amigos, seguiam código semelhante.
Hoje, nesse aspecto, tudo se aviltou, querendo com
isto dizer que as relações entre as pessoas, jovens ou não, se degradaram, isto
´+e, baixaram de grau, seguindo determinada escala de valores em que cada valor
tem o seu grau, estou a querer fugir à inutilidade de afirmar que o passado era
melhor. Era diferente, e reporto-me à escala de valores desse passado quando o
comparo com o presente.
Sem comentários:
Enviar um comentário