Sentada numa cadeira de praia, no terraço de um chalet no fundo do vale, há uma
jovem mulher a ler. Todos os dias antes de me pôr a trabalhar fico um bocado a
olhá-la com o óculo. Neste ar fino e transparente parece-me captar na sua
figura imóvel os sinais desse movimento invisível que é a leitura, o correr do
olhar e do respiro, mas ainda mais o percurso das palavras através da pessoa. O
seu fluir ou deter-se, os impulsos, as demoras, as pausas, a atenção que se
concentra ou se dispersa, os recuos, esse percurso que parece uniforme e afinal
é sempre mutável e acidentado.
Há quantos anos não posso dar-me ao luxo de uma
leitura desinteressada? Há quantos anos não consigo entregar-me a um livro
escrito por outros, sem nenhuma relação com as coisas que devo escrever eu?
Viro-me e vejo a secretária que me espera, a máquina com a folha no rolo, o
capítulo para começar. Desde que me tornei um forçado do escrever, para mim
acabou o prazer da leitura. O que eu faço tem como fim o estado de espírito
desta mulher sentada na cadeira de braços enquadrada pelas lentes do meu óculo,
e é um estado de espírito que me está proibido.
Todos os dias antes de me pôr a trabalhar olho para a
mulher na cadeira: digo para comigo que o resultado do esforço inatural a que
me submeto ao escrever deve ser o respiro desta leitora, a operação da leitura
transformada em processo natural, a correspondente que levas as frases a roçar
o filtro da sua atenção, a imobilizarem-se um instante antes de serem
absorvidas pelos circuitos da sua mente e desaparecem convertendo-se nos seus
fantasmas interiores, no que nela é mais pessoal e incomunicável.
Italo Calvino
em Se Numa Noite de Inverno Um Viajante
Legenda: A
Leitura de Bridget de Peter Samuelson
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