sexta-feira, 28 de julho de 2017

SEM CONSEGUIR VER-SE LIVRE DA TRALHA


Andava a arrastar-me que nem um sem-abrigo. Tinha desaparecido uma pessoa dentro de mim e eu precisava de a encontrar. Tentei de facto em algumas ocasiões obrigá-la a aparecer. Na natureza há um remédio para todos os males e normalmente era aí que procurava. Dava por mim numa casa flutuante, uma casa móvel à deriva, na esperança de ouvir uma voz – a rastelar lentamente – de nariz erguido numa praia protectora na imensidão da noite – alces americanos, ursos, veados nas redondezas – um lobo cinzento fugidio que não andava muito longe, noites calmas de Verão a ouvir o chamamento de um mergulhão. A planear as coisas. Mas não adiantava nada. Senti-me arruinado, um destroço inútil e esgotado. Muita coisa parada na minha cabeça, um destroço inútil e esgotado. Muita coisa parada na minha cabeça e eu não conseguia ver-me livre da tralha. Onde quer que esteja, sou um trovador dos anos 60, uma relíquia do folk-rock, um forjador de palavras dos tempos idos, uma vã cabeça de estado de um sítio que ninguém conhece. Estou no poço sem fundo do esquecimento cultural. É só escolher. Não consigo ver-me livre disto. Ao sair dos bosques as pessoas vêem-me a sair. Sei no que estavam a apensar. Tenho de encarar as coisas pelo que elas valem.

Bob Dylan em Crónicas

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