sábado, 6 de março de 2021

NÃO SOU DAQUI


Não sou daqui.  Mamei em peitos oceânicos 

minha mãe era ninfa meu pai chuva de lava 

mestiça de onda e de enxofres vulcânicos 

sou de mim mesma pomba húmida e brava

 

de mim mesma e de vós, ó Capitães trigueiros 

arbeados pelo sol penteados pela bruma! 

que extraístes do ar dessa coisa nenhuma 

a  génese a pluma do meu país natal.

 

Não sou daqui das praias da tristeza

do insone jardim dos glaciares 

levai minha nudez minha beleza 

e colocai-a à sombra dos palmares.

 

Não sou daqui.  A minha pátria não é esta 

bússola quebrada dos impulsos

sou rápida sou solta      talvez nuvem

nuvens minhas irmãs que me argolais os pulsos

tomai os meus cabelos levai-os para a floresta

 

É lá que o meu amigo pastor de estrelas pasce

o marulho das folhas com pássaros nas vozes

o sol adormecido nos braços da giesta

a manhã rarefeita na corrida do alce

o luar orbitado no salto da gazela

os animais velozes do sítio onde se nasce

 

Natália Correia em As Maçãs de Orestes

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