sexta-feira, 5 de março de 2021

OLHAR AS CAPAS


Uma Gota de Sangue

1º volume de A Velha Casa

José Régio

Editorial Inquérito, Lisboa, Agosto de 1945

-Não torno para o colégio, mãe! Fugi. Não me deixa tornar, não?

- Não, filho, não tornas. Não penses agora nisso.

- Promete? mas a mãe promete? – volveu êle com uma súbita exaltação, soerguendo-se no leito e arregalando para a porta os olhos apavorados. Parecera-lhe ver assomar à porta, hirto, com a sua cabeça de frade e uma expressão de irrevogável censura na face morena como a de um pescador, o homem que saíra a procurar o médico para êle.

- Prometo, valha-me Deus! Já te disse que não penses agora nisso. Precisas estar sossegado…

Então, incapaz de qualquer outro esforço, Lèlito recaíu entre as almofadas, no colchão fofo. Tinha como um incêndio na cara, um pesadume na cabeça, um frio que lhe percorria o corpo de arrepios…, e tremia tão violentamente que chegava isso a dar-lhe vontade de rir. Sentia-se, porém tão feliz, que, se a morte era essa inconsciência em que se estava afundando, morreria sem custo. Só quereria ainda dizer umas palavras para desculpar a sua fuga, explicar o seu caso… Mas as palavras que dificilmente lhe saíam da garganta não lhe pareceram pronunciadas por êle, (não reconhecia a sua voz) além de que pareciam dizer coisas muito diferentes, desvairadas, alheias ao que procurava exprimir. E ainda pôde ouvir a voz aflita da mãe, falando para quem quere que entrava:

- Começou agora a delirar…

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