Uma Gota de Sangue
1º volume de A Velha Casa
José Régio
Editorial Inquérito, Lisboa, Agosto de 1945
-Não torno para o
colégio, mãe! Fugi. Não me deixa tornar, não?
- Não, filho, não
tornas. Não penses agora nisso.
- Promete? mas a mãe
promete? – volveu êle com uma súbita exaltação, soerguendo-se no leito e
arregalando para a porta os olhos apavorados. Parecera-lhe ver assomar à porta,
hirto, com a sua cabeça de frade e uma expressão de irrevogável censura na face
morena como a de um pescador, o homem que saíra a procurar o médico para êle.
- Prometo, valha-me
Deus! Já te disse que não penses agora nisso. Precisas estar sossegado…
Então, incapaz de
qualquer outro esforço, Lèlito recaíu entre as almofadas, no colchão fofo. Tinha
como um incêndio na cara, um pesadume na cabeça, um frio que lhe percorria o
corpo de arrepios…, e tremia tão violentamente que chegava isso a dar-lhe
vontade de rir. Sentia-se, porém tão feliz, que, se a morte era essa inconsciência
em que se estava afundando, morreria sem custo. Só quereria ainda dizer umas
palavras para desculpar a sua fuga, explicar o seu caso… Mas as palavras que dificilmente
lhe saíam da garganta não lhe pareceram pronunciadas por êle, (não reconhecia a
sua voz) além de que pareciam dizer coisas muito diferentes, desvairadas,
alheias ao que procurava exprimir. E ainda pôde ouvir a voz aflita da mãe,
falando para quem quere que entrava:
- Começou agora a
delirar…
Sem comentários:
Enviar um comentário