sexta-feira, 1 de setembro de 2017

QUE LHES PRESTE A TODOS, E DIVIRTAM-SE


Carta de Jorge de Sena, datada de 20 de Outubro de 1974, para Eugénio de Andrade:

Quanto ao país, só pelos jornais que escassos me chegam, e pela imprensa internacional rara, é que sei dele. Das pessoas e do que fazem, pouco ou nada sei. Aquele convite para a Faculdade de Letras do Porto… como ei já contava, não chegou até hoje. Também não veio nunca uma carta que de Coimbra teriam escrito. Só um convite informal da Universidade Nova de Lisboa para ser «visitante?, além de um telegrama, sem sequela da universidade de Lourenço Marques. Não fosse eu esquerdista e democrata de velha cepa, e o comportamento do pais para comigo justificaria que eu estivesse de mal com a revolução, q1ue cada vez me parece mais um conluio de continuistas e de arranjistas, com alguns revolucionários de parvos pelo meio, e muitos demagogos a agarrar os tachos com muita pressa. Que lhes preste a todos, e divirtam-se.

Não existe, pelo menos nesta Correspondência, resposta de Eugénio de Andrade.
Em carta, datada de 24 de Dezembro de 1974, Sena pergunta-lhe:
«Que tens feito, que não dás notícias?»
E, com amargura volta a referir o esquecimento que o Portugal democrático lhe dedicou. A ditadura persegui-o, a revolução foi ingrata:

Como deves saber, o famoso convite da Faculdade de Letras do Porto, para eu ensinar aí, não me chegou nunca, do que tenho pena – mas, na verdade, nunca contei muito com ele. As pessoas não estão realmente empenhadas em renovar coisa nenhuma, mas em encaixarem os amigos políticos, e em aguentarem-se na crista da onda estudantil. Assim, a revolução é ingrata comigo, pelo mesmo modelo pelo qual a situação anterior tinha todos os motivos para ser ingrata ela. Mas o caso é que, se tudo mudou, há uma coisa que não muda e é a mesquinharia e a inveja lusitanas, filhas não de décadas mas de séculos de camarilhas que foi sempre o sistema com qualquer Senhora.

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