Agora
que os vizinhos não podem sair
se
casa para a rua. A única liberdade que têm
é
sair para os quintais das traseiras, e a única
liberdade
que eu tenho é a de ver o que fazem. Até
agora,
os pátios eram depósitos de lixo onde
a
erva crescia no meio de móveis sem préstimo,
de
restos de obras, e os únicos moradores eram
os
pombos. De repente, os quintais mudaram
de
aspeto. O lixo começou a ser tirado,
durante
alguns dias ouviram-se máquinas
de
cortar a erva e os arbustos selvagens,
e
apareceram mesas e toldos para almoços
ao
ar livre. De repente, os quintais apareceram
floridos,
as árvores foram limpas de ramos
partidos
e plásticos, isto é, a paisagem
que
eu tinha da minha varanda das traseiras
transformou-se,
de uma semana para a outra,
e
apareceu uma vida que nunca tinha visto:
de
um lado, laranjeiras carregadas de cor de
laranja,
do outro o amarelo dos limoeiros,
ao
fundo o rosa de roseiras até hoje escondidas
por
caixotes e embrulhos de antigas mudanças.
E
agora, se quero ver que o mundo continua
habitado,
em vez de olhar para a rua olho
para
esses quintais das traseiras e até ouço,
de
vez em quando, o ruído de crianças que
jogam
à bola, as conversas de vizinhos que
almoçam
no pátio, os cães a correr a caminho
do
portão. E num pátio do lado, nos intervalos
das
aulas à distância no computador, um dos
estudantes
do rés-do-chão fazia ginástica. Todos os dias
se dedicava a flexões, a
corridas
circulares,
a movimentos com os braços. Até ontem,
quando o vi a dar voltas ao
pátio
de
cimento a fazer o pino. E concluí que
a
razão está do lado dele, ao descobrir que
não
há outra forma de andar neste mundo
ao
contrário.
Nuno Júdice,
inédito publicado no JL
Legenda: fotografia Shorpy
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