quarta-feira, 3 de março de 2021

MISS MAPLE SABE TUDO


É que Miss Marple sabe tudo, como aquelas nossas tias antiquíssimas da província que, quando somos meninos, nos põem a mão na cabeça, nessa velha estação onde está um comboio para regressarmos a casa, e que sabem que chegaremos bem. Fazem pactos com o pressentimento e com a adivinhação, e dizem-nos adeus, quando o comboio arranca, com olhos brilhantes de amor num mapa de pergaminho. É a cara do tempo, de lenço branco na mão.

Talvez o que haja de mais surpreendente em Agatha Christie, escritora que aflora certas facilidades, inclinada ao lugar-comum, seja o conhecimento empírico de que Miss Marple (mais ainda do que a metodologia excêntrica de Poirot) tem da natureza humana. Esse é o seu terreno como o meio-campo adversário foi de Maradona no Mundial do México, ou como os palcos generosos para aa Unicef foram de Danny Kaye.

Como ela diz em Jogo de Espelhos, fui nova há muito tempo. A questão , claro, não é principalmente essa. Coloca-se mais em experiências de carpintaria e de encenação teatral, tendo-lhe sido atribuído, pela dramaturga em estado romanesco, o lugar do ponto. Miss Marple ajuda os actores da vida a esclarecerem, às vezes penosamente, motivos que catapultam horizontes de desastre.

Dinis Machado em O Lugar das Fitas 

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