É que Miss Marple sabe tudo, como aquelas nossas tias antiquíssimas da
província que, quando somos meninos, nos põem a mão na cabeça, nessa velha
estação onde está um comboio para regressarmos a casa, e que sabem que
chegaremos bem. Fazem pactos com o pressentimento e com a adivinhação, e
dizem-nos adeus, quando o comboio arranca, com olhos brilhantes de amor num mapa
de pergaminho. É a cara do tempo, de lenço branco na mão.
Talvez o que haja de mais surpreendente em Agatha Christie, escritora
que aflora certas facilidades, inclinada ao lugar-comum, seja o conhecimento
empírico de que Miss Marple (mais ainda do que a metodologia excêntrica de
Poirot) tem da natureza humana. Esse é o seu terreno como o meio-campo
adversário foi de Maradona no Mundial do México, ou como os palcos generosos
para aa Unicef foram de Danny Kaye.
Como ela diz em Jogo de Espelhos, fui nova há muito tempo. A questão , claro, não é principalmente essa. Coloca-se mais em experiências de carpintaria e de encenação teatral, tendo-lhe sido atribuído, pela dramaturga em estado romanesco, o lugar do ponto. Miss Marple ajuda os actores da vida a esclarecerem, às vezes penosamente, motivos que catapultam horizontes de desastre.
Dinis Machado em O Lugar das Fitas
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