Cartas a um Amigo Alemão
Albert Camus
Tradução: José Carlos González e
Joaquim Serrano
Capa: Lima de Freitas
Livros do Brasil, Lisboa s/d
Não Irei muito mais longe. Acontece-me, por vezes, ao voltar de uma dessas
curtas tréguas que nos deixa a luta comum, pensar em todos os recantos da
Europa que conheço bem. É uma terra magnífica, feita de sacrifícios e de
história. Revejo as peregrinações que fiz com todos os homens do Ocidente. As
rosas nos claustros de Florença, as tulipas douradas de Cracóvia, o Hradschin
com os seus paços mortos, as estátuas contorcidas da ponte Karl sobre Ultava,
os delicados jardins de Salzburgo. Todas essas flores, essas pedras, essas
colinas e essas paisagens onde o tempo dos homens e o tempo da natureza
confundiram velhas árvores e monumentos! A minha memória fundiu essas imagens
sobrepostas para delas formar um rosto único: o da minha pátria maior. Algo me
oprime quando penso, então, que sobre esse rosto enérgico e atormentado paira,
desde alguns anos, a vossa sombra. E no entanto, há alguns desses lugares que
você visitou comigo. Eu não imaginava, nessa altura, que fosse um dia
necessário defendê-los contra os vossos. E agora ainda, em certos momentos de
raiva e desespero, lamento que as rosas possam ainda crescer no claustro de São
Marcos, os pombos lançar-se em bandos da catedral de Salzburgo e os gerânios
vermelhos germinarem incessantemente nos pequenos cemitérios da Silésia.
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