21 de Abril de 1974
Calhou a um domingo.
Pela última vez estiveram todos juntos à mesa.
O Diário de Notícias dava
conta que, no Palácio de Belém, o chefe de estado ofereceu um almoço íntimo em
que estiveram presentes, para além da veneranda figura, Marcelo Caetano, os presidentes
da Assembleia Nacional, da Câmara Corporativa e do Supremo Tribunal de Justiça,
os ministros da Defesa Nacional, da Justiça,, das Finamças, o procurador geral
da República, os conselheiros de estado dr. Albino Reis, prof. Costa Leite
(Lumbrales), dr. Luís Supico Pinto, o governador civil de Lisboa, o deputado
contra almirante Henrique Tenreiro.
Não se sabem razões para a realização do festim.
O jornal O Século dá conta do vincado cunho de cordialidade, mas ficámos sem saber do menú do almoço das importantes figuras do regime.
1.
Dinis de Almeida no seu livro Origens e Evolução do Movimento dos Capitães, regista que a redacção do programa do Movimento havia-se entretanto processado a partir de um documento inicialmente discutido entre Almada Contreiras, Martins Guerreiro e Melo Antunes.
Nessa redacção intervêm:
Pela Armada: Crespo, Contreiras, Lauret, Simões Teles, Vidal Pinho.
Pelo Exército: Melo Antunes, Costa Brás, Charais, Vítor Alves, José Maria Azevedo.
Pela Força Aérea, praticamente fora do assunto, só se faz sentir a sua opinião já no final, em 24 de Abril de 1974.
A versão definitiva do programa, passada à máquina directamente pelo próprio
Hugo dos Santos, focou estabelecida em casa de Vítor Crespo, no dia 21 de Abril
de 1974, domingo (epílogo das muitas reuniões efectuadas sobre o programa).
2.
Na praia da Aguda, em Gaia, e por
iniciativa do jornal Opinião, realizou-se um jantar de homenagem a Óscar Lopes.. A censura interveio com uma
série de cortes pelo que as notícias publicadas, pouco ou nada referem. As fotografias
e as legendas da homenagem teriam que ser enviadas ao Dr. Ornelas.
3.
Em Abril de 1974 Portugal era um país onde coexistiam a maior miséria e a riqueza mais faustosa. Com oito milhões de habitantes, em cada mil crianças nascidas 56 morriam antes de completarem um ano de idade e em cada mil habitantes 15 morriam de tuberculose pulmonar. Apenas 40 por cento da população tinha água em casa e 75 por cento não dispunha de esgotos. Em cada 100 portugueses 37 eram analfabetos e em cada 100 alunos que frequentavam o ensino primário 30 não o completavam e apenas 2 por cento vinham a obter uma graduação universitária.
E havia uma guerra em África.
Milhares e milhares de mortos, feridos,
estropiados.
A Pátria não se discute, defende-se!
Poema Uma Vez Eu,… de Jorge de Sena publicado em 40 Anos de Servidão:
Uma vez eu, chegando a Portugal
após muitos anos de ausência minha e alguns
de guerras africanas, encontrei uma vizinha
muito estimável que era casada com
um operário categorizado e antigo republicano.
O filho dela estava nas Africas, arriscando
a vida dele e a dos outros em defesa
do património da pátria de alguns (muito mais
que das gerações brancas que vivem nas Áfricas).
Eu condoí-me, todo embebido de noções políticas.
E ela, com um sorriso resignado, respondeu-me:
- Pois é, mas ele está a ganhar tão bem!
4
Hoje, olhamos a capa deste EP e
sorrimos quando no topo lemos: Dr. José Afonso, e que as letras e as música
também têm a autoria designada como «Dr.» .
Este velho disco rodou milhares
de voltas por causa dos Vampiros: senhores à força mandadores sem lei, eles
comem tudo e não deixam nada.
Mas diga-se que as outras canções do
EP são muito bonitas, principalmente Menino do Bairro Negro.
Menino pobre o teu lar
Queira ou não queira o papão
Há-de um dia cantar
Esta canção
Inevitavelmente, José Afonso era
acompanhado à viola por Rui Pato.
Legenda: primeira página do Programa do MFA, tirada de Origens e Evolução do Movimento de Capitães de Dinis de Almeida.
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