domingo, 11 de abril de 2021

LIBERTAÇÂO


Descerão por paredes sangrentas

e subirão do asfalto

ganindo com um prego na língua

com os pulsos atados às patas

sobre pulmões raivosos em barcos de esterco

e não olharão nem para baixo nem para o alto

mas para a frente

para o horizonte de fatias vermelhas

e para trás

para os afogados sem mar sem terra natal sem paisagens marinhas

cada um com um buraco em seu peito

esguichando palavras estridentes

descerão atravessando gargantas

e subirão pela espinha a golpes de jejum

descerão empurrando palavras

transportando-as ao pescoço como cintos de salvação

abrindo crateras nas cabeças queridas

e olhos nos olhos dos aflitos

subirão do asfalto

transparentes e feridos

com os olhos nas mãos

a cabeça no sangue

chegarão aos pares ligados pela boca

com um estandarte negro seguro nos dentes

e descerão sempre cada vez mais e cada vez mais alto

até chegar à orla do inferno chorarem as últimas lágrimas e partirem de vez

António José Forte de 40 Noites de Insónia em Poesia Portuguesa do Pás-Guerra

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