Marselha, 25 de Dezembro de 1932
Viajar não é bem o que diz a Agência Cook. Aquela honrada companhia de
mostrar o mundo é, sem saber, uma espécie de agência funerária duma prematura
morte com guia e tudo. Viajar, num sentido profundo, é morrer. É deixar de ser manjerico
à janela do seu quarto e desfazer-se em espanto, em desilusão, em saudade, em
cansaço, em movimento, pelo mundo além.
Nesta hora, aqui deitado na cama dum Hotel Continental, a ouvir os
passos dum milhão de pessoas na Canebiére, que sou eu? Uma pura ressonância
morta duma vida longínqua.
Quando amanhã me erguer, ressuscitar, e for outra vez manjerico na
minha terra, deste dia, desta hora, desta grande cidade, do que fui nela, que
terei eu na mão? Nada, porque não foi nada aquilo que o Lázaro trouxe da
sepultura.
Miguel Torga em Diário
Vol. I
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