segunda-feira, 5 de abril de 2021

OLHAR AS CAPAS


Como a Água que Corre

Marguerite Yourcenar

Tradução: Luiza Neto Jorge

Capa: Carlos Bravo

Biblioteca Novis nº 18

Abril/Controljornal, Lisboa, Maio de 2000

Mas à hora de deitar, depois do dedal de Madeira que sempre tomava ao meter-se na cama, mostrou-se mais loquaz:

- Conheceste-lo já na ruína – disse ele subitamente, de lágrimas nos olhos. – Mas eu convivi e viajei com ele antes dos trinta anos, quando ele ainda auferia, como eu, de dinheiro e de consideração. Nunca vi homem mais livre, mais lúcido, mais nobre. A sua pujança abarcava tudo quanto havia. Percorremos juntos a Itália e a Alemanha: ele ia sempre, por assim dizer, um passo à minha frente… Mas em Amesterdão… Cada qual regressa, em suma, à concha em que Deus o pôs. Fiz carreira… Casei com uma mulher de boas famílias… Ainda se ele tivesse ficado entre os judeus, dignos de consideração pela sua riqueza e pela posição que  desfrutam entre os seus! Mas preferiu quebrar com eles e ir viver para umas águas furtadas, sozinho, como se isso pudesse ser… Asseveram-nos, além disso, que as suas últimas companhias… Talvez não passem de boatos. Eu, por mim, sempre me conservei no meu posto, sem hesitações.

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