Como a Água que Corre
Marguerite Yourcenar
Tradução: Luiza Neto Jorge
Capa: Carlos Bravo
Biblioteca Novis nº 18
Abril/Controljornal, Lisboa,
Maio de 2000
Mas à hora de deitar, depois do dedal de Madeira que sempre tomava ao
meter-se na cama, mostrou-se mais loquaz:
- Conheceste-lo já na ruína – disse ele subitamente, de lágrimas nos
olhos. – Mas eu convivi e viajei com ele antes dos trinta anos, quando ele ainda
auferia, como eu, de dinheiro e de consideração. Nunca vi homem mais livre,
mais lúcido, mais nobre. A sua pujança abarcava tudo quanto havia. Percorremos
juntos a Itália e a Alemanha: ele ia sempre, por assim dizer, um passo à minha
frente… Mas em Amesterdão… Cada qual regressa, em suma, à concha em que Deus o
pôs. Fiz carreira… Casei com uma mulher de boas famílias… Ainda se ele tivesse
ficado entre os judeus, dignos de consideração pela sua riqueza e pela posição
que desfrutam entre os seus! Mas
preferiu quebrar com eles e ir viver para umas águas furtadas, sozinho, como se
isso pudesse ser… Asseveram-nos, além disso, que as suas últimas companhias…
Talvez não passem de boatos. Eu, por mim, sempre me conservei no meu posto, sem
hesitações.
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