Discursos Parlamentares
Almeida Garrett
Introdução: Manuel Mendes
Colecção Saber nº 28
Publicações Europa-América, Lisboa s/d
A discussão vai larga e degenerada, já principia a cansar a Câmara, e há muito que enfastiou a Nação. E contudo, eu espero dela um grande fruto, uma utilidade imensa, inapreciável, com que não só a Câmara mas toda a Nação há-de ganhar muito: - a prova indirecta, o testemunho irrefragável, a convicção unânime de que não era este o modo, de que não era certamente este o estilo de discutir a resposta a um discurso da Coroa.
A discussão vai
degenerada, digo; porque solene e gravemente começada sobre o primeiro
parágrafo do projecto, e parecendo querer estender-se à amplíssima generalidade
dele, afectando entrar nesse vasto, importante e imenso assunto, toda desandou,
em viciosíssimo circulo, à roda de uma palavra; para se contrair, por fim, no
mais pequeno dos objectos, no mais insignificante, no mais baixo; o das
acusações e recriminações pessoais, o das injúrias, dos convícios, dos apodos;
- palavras que deveriam riscar-se do dicionário de todas as línguas que têm a
honra de ser faladas num parlamento.
Nada tamanho e tão
augusto como este primeiro acto de comunhão em sentimentos e vontade, que
anualmente se celebra entre o Povo e o Soberano! Esta primeira e solene
consultação em que o Chefe da Nação por sua boca, a Nação pela dos seus
representantes, mutuamente se vêm saudar ao Foro da Liberdade, e, postos em
comum as suas observações, os seus pensamentos, os seus projectos, os seus
meios, pausados acordam no mais seguro e eficaz para se promover a felicidade
da república !
Nada tamanho,
Senhores, nada tão sublime! - E nada tão pequeno, nada tão mesquinho, nada tão
miserável, tão indigno desta Câmara como a maneira por que o estamos
celebrando!
Ainda mal! é
verdade: é triste verdade que, junto com poucos argumentos, os ditérios, sós,
os vitupérios sós parecem querer usurpar o lugar de todas as reflexões,
substituir-se a todas as razões, darem-se por motivos suficientes de tudo, e
negar-se tudo, provar-se tudo com eles! - A que triste campo nos trazem a
pelejar
E todavia,
Senhores, eu venho a ele ... venho, forçado, violentado, a despeito meu: por que
já não basta o silêncio do desprezo quando se vê a vaidade presunçosa
interpretá-lo por confissão ou fraqueza. Venho a esse campo para que me
emprazaram obrigado, – não a lutar com as mesmas armas (tenho vergonha, tenho
nojo delas!) mas a repelir honesta, leal e cortesmente, mas fortemente, os
golpes atraiçoados com que quiseram ferir aos meus amigos do centro no que eles
e eu temos mais caro e precioso, a nossa lealdade, a nossa constância política,
a invariabilidade dos nossos princípios, a nossa inalterável e inabalável
adesão à liberdade constitucional, à monarquia representativa, pela qual uns a
fazenda, outros a saúde temos sacrificado, não poucos exposto a vida muitas
vezes.
Do discurso pronunciado no dia 8 de Fevereiro de 1940
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