segunda-feira, 27 de novembro de 2023

OLHAR AS CAPAS


Discursos  Parlamentares

Almeida Garrett

Introdução: Manuel Mendes

Colecção Saber nº 28

Publicações Europa-América, Lisboa s/d

A discussão vai larga e degenerada, já principia a cansar a Câmara, e há muito que enfastiou a Nação. E contudo, eu espero dela um grande fruto, uma utilidade imensa, inapreciável, com que não só a Câmara mas toda a Nação há-de ganhar muito: - a prova indirecta, o testemunho irrefragável, a convicção unânime de que não era este o modo, de que não era certamente este o estilo de discutir a resposta a um discurso da Coroa.

A discussão vai degenerada, digo; porque solene e gravemente começada sobre o primeiro parágrafo do projecto, e parecendo querer estender-se à amplíssima generalidade dele, afectando entrar nesse vasto, importante e imenso assunto, toda desandou, em viciosíssimo circulo, à roda de uma palavra; para se contrair, por fim, no mais pequeno dos objectos, no mais insignificante, no mais baixo; o das acusações e recriminações pessoais, o das injúrias, dos convícios, dos apodos; - palavras que deveriam riscar-se do dicionário de todas as línguas que têm a honra de ser faladas num parlamento.

Nada tamanho e tão augusto como este primeiro acto de comunhão em sentimentos e vontade, que anualmente se celebra entre o Povo e o Soberano! Esta primeira e solene consultação em que o Chefe da Nação por sua boca, a Nação pela dos seus representantes, mutuamente se vêm saudar ao Foro da Liberdade, e, postos em comum as suas observações, os seus pensamentos, os seus projectos, os seus meios, pausados acordam no mais seguro e eficaz para se promover a felicidade da república !

Nada tamanho, Senhores, nada tão sublime! - E nada tão pequeno, nada tão mesquinho, nada tão miserável, tão indigno desta Câmara como a maneira por que o estamos celebrando!

Ainda mal! é verdade: é triste verdade que, junto com poucos argumentos, os ditérios, sós, os vitupérios sós parecem querer usurpar o lugar de todas as reflexões, substituir-se a todas as razões, darem-se por motivos suficientes de tudo, e negar-se tudo, provar-se tudo com eles! - A que triste campo nos trazem a pelejar

E todavia, Senhores, eu venho a ele ... venho, forçado, violentado, a despeito meu: por que já não basta o silêncio do desprezo quando se vê a vaidade presunçosa interpretá-lo por confissão ou fraqueza. Venho a esse campo para que me emprazaram obrigado, – não a lutar com as mesmas armas (tenho vergonha, tenho nojo delas!) mas a repelir honesta, leal e cortesmente, mas fortemente, os golpes atraiçoados com que quiseram ferir aos meus amigos do centro no que eles e eu temos mais caro e precioso, a nossa lealdade, a nossa constância política, a invariabilidade dos nossos princípios, a nossa inalterável e inabalável adesão à liberdade constitucional, à monarquia representativa, pela qual uns a fazenda, outros a saúde temos sacrificado, não poucos exposto a vida muitas vezes.

Do discurso pronunciado no dia 8 de Fevereiro de 1940 

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