Donald Trump,
demitiu a procuradora-geral interina, Sally Yates, depois de esta ter dito aos
juristas do Departamento de Justiça para não cumprirem os requisitos da ordem
executiva presidencial que levou ao fecho das fronteiras dos EUA a cidadãos de
sete países de maioria muçulmana.
Este foi o
culminar de uma noite agitada em Washington D.C., depois de Sally Yates ter
dito que não estava «convencida» da legalidade da ordem executiva de Donald Trump.
Segundo o The New York Times, Sally Yates recebeu uma carta a informá-la da sua
demissão assinada por um dos funcionários do Presidente norte-americano. Pouco
depois, a Casa Branca emitiu um comunicado onde o assessor de imprensa, Sean
Spicer, escrevia: «A senhora Yates era uma escolha da administração de Obama
que é fraca em matéria de fronteiras e muito na imigração ilegal».
Da declaração escrita
de Sally Yates:
«Sou responsável por assegurar que as posições
que adotamos nos tribunais se mantêm consistentes com obrigação solene desta
instituição de procurar sempre a justiça [das decisões] e de defender o que é
certo. Neste momento, não estou convencida de que a defesa da ordem executiva
seja consistente com essas responsabilidades, nem estou convencida de que a
ordem executiva seja legal. Enquanto for procuradora-geral interina, o
Departamento de Justiça não apresentará argumentos a favor da ordem executiva,
a menos que me convençam de que é apropriado fazê-lo».
2.
Para se ter uma
ideia da gente que rodeia Trump atente-se que Kellyanne Conway, a conselheira
de Donald Trump, e antiga diretora de campanha do presidente dos Estados
Unidos, sugeriu que alguns dos jornalistas e comentadores que acompanharam as
presidenciais norte-americanas deveriam ser demitidos.
«Se isto fosse um negócio a sério e os órgãos
de comunicação social principais estivessem no setor privado em expansão, que
realmente gerasse dividendos, 20 por cento das pessoas tinham sido despedidas. Os jornalistas deviam
estar envergonhados. Nem uma pessoa de uma estação foi despedida, nenhum
comentador político que falou mal de Donald Trump foi demitido. Estão a
comentar todos os domingos, estão nos canais todos os dias. Onde está o
primeiro editor ou o primeiro blogger que vai ser despedido, que envergonharam
os títulos para onde escrevem? Nós sabemos os seus nomes. Sou demasiado educada
para os dizer. A eleição foi há três meses e ninguém foi despedido.»
3.
No Diário de
Notícias, de hoje, dois artigos de opinião sobre Donald Trump.
Um de Pedro
Tadeu, com o título: «A luta contra Trump, assim, não vai a lado algum»:
O Pote é
um restaurante que fica na Avenida João XXI nº 7 D, meio caminho entre o
Areeiro e a Avenida de Roma.
É um restaurante
sossegado.
Em tempos de
ditadura também era, mas pela noite, após os jantares, virava tasco onde desaguavam
noctívagos em busca do último copo, one for the road, um quase
albergue-espanhol.
Não conheço de António Gedeão, nenhum poema dedicado
ao mar. Alusões variadas, chamamento de ondas, de marés, de espumas e de galés,
combinações de palavras alusivas ao mar, insinuações marítimas, expressões de
água salgada, tudo isso aparece na sua poesia. Mas aquela prontidão, aquele
arroubo de mar alto, essa invocação quase divina do mar, do mar, do mar, não
aprece nunca. A sua visão do grande oceano era nele, a configuração de um
entendimento antropológico e físico.
O Poema
da Malta da Naus é o exemplo inequívoco desse entendimento. É um poema
extraordinário que configura uma maneira de ser portuguesa que se manifestou
num período áureo da nossa História.
É que a atração pelo mar é característica dos povos
que vivem perto dele e que não são assim tantos. Os homens das planícies, das
montanhas, das savanas, dos desertos, têm outros tipos de relacionamento com o
meio envolvente porventura tão apaixonado e aventureiro comos os povos que
vivem com o mar como horizonte.
Outros sentimentos. Outros romantismos.
Aos rios, sim,
especialmente ao Tejo, esse rio estranhamente metalino que permaneceu
recatado, que manteve a serenidade líquida por toda a sua vida, rio que visitou
e sempre admirou e o encantou desde a infância, desde aquele quarto andar onde
nasceu a olhar para ele, a seguir-lhe a ligeira ondulação e a conhecê-lo por
inteiro como só o olhar de uma criança consegue vislumbrar, esse sim, essa água
aprece em muitos poemas, esse rio é mencionado constantemente.
Cristina
Carvalho em Rómulo de Carvalho/António Gedeão. Príncipe Perfeito
Poema da Malta
das Naus
Lancei ao mar um madeiro,
espetei-lhe um pau e um lençol.
Com palpite marinheiro
medi a altura do sol.
Deu-me o vento de feição,
levou-me ao cabo do mundo.
Pelote de vagabundo,
rebotalho de gibão.
Dormi no dorso das vagas,
pasmei na orla das praias,
arreneguei, roguei pragas,
mordi peloiros e zagaias.
Chamusquei o pelo hirsuto,
tive o corpo em chagas vivas,
estalaram-me as gengivas,
apodreci de escorbuto.
Com a mão direita benzi-me,
com a direita esganei.
Mil vezes no chão, bati-me,
outras mil me levantei.
Meu riso de dentes podres
ecoou nas sete partidas.
Fundei cidades e vidas,
rompi as arcas e os odres.
Tremi no escuro da selva,
alambique de suores.
Estendi na areia e na relva
mulheres de todas as cores.
Moldei as chaves do mundo
a que outros chamaram seu,
mas quem mergulhou no fundo
Do sonho, esse, fui eu.
O meu sabor é diferente.
Provo-me e saibo-me a sal.
Não se nasce impunemente
nas praias de Portugal.
Legenda;: capa
do EP «Dulcineia» de Manuel Freire onde se encontra o Poema da Malta
das Naus
Portugal reagiu,
hoje, às medidas impostas pela administração norte-americana.
«É inconcebível que se negue o direito de entrada a
pessoas que têm autorização de residência no país, em termos europeus, absolutamente
ilegal», disse Augusto Santos
Silva.
Durante o fim de
semana, houve caos nos aeroportos, 109 pessoas foram detidas nas fronteiras e
cerca de 200 foram impedidas de voarem para os Estados Unidos.
Mas Trump já twitou declarando que a culpa a culpa é dos outros: dos
sistemas informáticos da companhia aérea norte-americana Delta, dos
manifestantes que andam a protestar contra a sua decisão.
2.
A Apple é uma
das empresas que não existiriam hoje se Donald Trump tivesse sido o presidente
norte-americano durante a primeira década do século passado. O gigante
tecnológico foi fundado por Steve Jobs, filho biológico de um sírio, que
emigrou para os Estados Unidos. Se fosse hoje teria sido retido na fronteira.
Mas há mais
empresas de sucesso que nasceram graças aos imigrantes que entraram nos Estados
Unidos, como recorda a CNN. O fundador do Yahoo, por exemplo, é oriundo de
Taiwan. O inventor do telefone, Alexander Graham Bell, era escocês. O homem que
transformou a Intel numa multinacional, Andrew Grove, fugiu da Hungria
comunista. Cofundador da Google e agora presidente da Alphabet Inc. (a holding
a que pertence a Google), Sergey Brin era filho de judeus e emigrou com a
família para os EUA para fugir do antisemitismo da União Soviética. Jeff Bezoz,
fundador e presidente da Amazon, é filho adotivo de um cubano que se casou com
a mãe quando este tinha quatro anos. Walt e Roy Disney eram filhos de pai
canadiano e, finalmente, lembra a CNN, pai e mãe dos irmão que criaram o
McDonald's eram imigrantes irlandeses.
3.
Um milhão de
pessoas já assinaram uma petição que pede para o Reino Unido retirar
o convite ao presidente norte-americano, Donald Trump, para visitar Londres e
jantar com a rainha Isabel II.
«Donald Trump deve poder entrar no Reino Unido na sua
capacidade de chefe do governo norte-americano, mas não deve ser convidado para
uma visita de Estado porque isso iria causar embaraço para a rainha, a bem
documentada misoginia e vulgaridade de Donald Trump inabilitam-no para ser
recebido pela rainha e pelo príncipe de Gales», lê-se na petição.
Todas as
petições que passem as cem mil assinaturas têm que ser debatidas no parlamento,
mas o governo britânico apressou-se a dizer
que a visita é para manter.
Encontrei esta fotografia no Baú. Tem mais de 30 anos. Tirada num Café-Restaurante nas Azenhas do Mar. Não sei se ainda existe, há muito que não vou para aqueles lados. Olhando com atenção, pode ver-se uma criança, entre as duas garrafas de Trinaranjus, a brincar na areia.
À Memória de Kazantzakis e a Quantos fizeram o Filme «Zorba The Greek»
Deixa os gregos em paz, recomendou
uma vez um poeta a outro que falava
de gregos. Mas este poeta, o que falava
de gregos, não pensava neles ou na Grécia. O outro
também não. Porque um pensava em estátuas brancas
e na beleza delas e na liberdade
de adorá-las sem folha de parra, que
nem mesmo os próprios deuses são isentos hoje
de ter de usar. E o outro apenas detestava,
nesse falar de gregos, não a troca falsa
dos deuses pelos corpos, mas o que lhe parecia
traição à nossa vida amarga, em nome de evasões
(que talvez não houvesse) para um passado
revoluto, extinto, e depilado.
Apenas Grécia nunca houve como
essa inventada nos compêndios pela nostalgia
de uma harmonia branca. Nem a Grécia
deixou de ser – como nós não – essa barbárie cínica,
essa violência racional e argua, uma áspera doçura
do mar e da montanha, das pedras e das nuvens,
e das caiadas casas com harpias negras
que sob o azul do céu persistem dentro em nós,
tão sórdidas, tão puras – as casas e as harpias
e a paisagem idem – como agrestes ilhas
sugando secas todo o vento em volta.
E que não só persistem. Porque as somos:
ou tendo-as circunstantes, ou em faces, gestos,
que vão do Atlântico ao Mar Negro, ou vendo-as
não só em sonhos, mas nesta odisseia
de quem, como de Ulisses, uma vida inteira
é qual regresso à pátria demorado
para que apenas de velhice ainda a aceitemos.
Na Grécia todavia, e mais que em Grécia Creta,
isso que somos regrediu. Distância
muito maior existe em ter ficado igual
num mundo que mudou, e em ter ficado o mesmo,
vivendo como de hoje, entre as antigas pedras
guardando em si o mugir do Minotauro
(e os gritos virginais das suas vítimas),
que, em como nós, não ter nascido ali
mas onde apenas derradeiros gregos
vieram.
Por isso, este vibrar de cordas que é uma dança de
homens
saltando delicados em furioso êxtase
perante a própria essência de estar vivo
(ó Diónisos, ó Moiras, ó sinistras sombras)
nos fascina tanto. O que é profundo volta,
o que está longe volta, o que está perto é longe,
e o que nos paira n’alma é uma distância elísia.
No lapidar-se a viúva que resiste aos homens
para entregar-se àquele que hesita em possuí-la
e a quem, Centauro, Zorba dá conselhos de
viver-se implume bípede montado
na trípode do sexo que transforma em porcos
os amantes de Circe, mas em homens
aqueles que a violam; nesta prostituta que,
sentimental, ainda vaidosa, uma miséria d’Art Nouveau
trazida por impérios disputando Creta,
será na morte o puro nada feminino que as harpias despem;
e neste Zorba irresponsável, cru, que se agonia
no mar revolto da odisseia, mas
perpassa incólume entre a dor e a morte,
entre a miséria e o vício, entre a guerra e a paz,
para pousar a mão nesse ombro juvenil
de quem não é Telêmaco – há nisto,
e na rudeza com que a terra é terra,
e o mar é mar, e a praia praia, o tom
exacto de uma música divina. Os deuses,
se os houve alguma vez, eram assim.
E, quando se esqueciam contemplando
o escasso formigar da humanidade que
tinha cidades como aldeias destas, neles
(como num sexo que palpita e engrossa)
vibrava este som claro de arranhadas cordas
que o turvo som das percussões pontua.
Deixemos, sim, em paz os gregos. Mas,
nus ou vestidos, menos do que humanos, eles
divinamente são a guerra em nós. Ah não
as guerras sanguinárias, o sofrer que seja
o bem e o mal, e a dor de não ser livre.
Mas sim o viver com fúria, este gastar da vida,
este saber que a vida é coisa que se ensina,
mas não se aprende. Apenas
pode ser dançada.
Com a sua coragem, amor e afeto, a minha mãe
transmitiu-me o entusiasmo pelas complexidades da vida, a insistência na
alegria e nos momentos bons e a perseverança para acreditar que os tempos
difíceis acabariam um dia.. Alguma vez houve uma canção mais reconfortante e
mais triste que «Good Times» de
Sam Cooke? É um espetáculo vocal assente num autoconhecimento e num mundo
penoso… Get
in the groove and let de good times roll… we gonna stay here’til
we soothe our soul… if it takes all night long…Pouco a pouco,
os sons musicais do final dos anos 50 e do princípio dos anos 60 penetraram em
mim até aos ossos.
Os velhos falam do voo rasante
dos pombos sobre os telhados marítimos.
Sei que ao falarem do voo dos pombos
os velhos querem dizer coisas que apenas
outros velhos entendem.
Preciso de ler, um dia, Lawrence e Flaubert - «O Amante de Lady Chatterley» e «Madame Bovary». Estive a pensar que preciso de melhorar a m/linguagem, elevando-a de modo a poder descrever situações, ambientes e personagens mais ricos e complexos, mas sem a tornar ininteligível ou menos concreta e sem perder a base popular... (para isso era preciso trabalhar muito... e a preguiça!) José Luandino Vieira emPapéis da Prisão
A casa já lá estava há muito, quando ele, «enfermo ou
elegíaco», curado ou desconsolado de um hipotético amor inglês que correspondia
a um «impossível lusitano», resolveu que era nela que queria morrer. Tinha 34
anos e andava às voltas com Marânus,
esse poema interminável, constantemente revisto, alterado, rasurado, reescrito,
cujos primeiros manuscritos vêm datados do porto, do Mar da Irlanda, de
Londres, de Amarante. Marânus andava à procura de casa? E não intuíra já
Teixeira de Pascoaes (1877-1952) que a casa do seu herói era o Marão grandioso,
genésico, cósmico? Não se perdera ele (e não se encontrara, também) pelos
caminhos da «alta e santa montanha omnipotente/ de onde os montes, em círculos
infindos,/parecem afastar-se vagamente,/ e em brumas e saudades se diluem…»?
A decisão, anunciara-a, em remate de conversa
desconchavada e irónica, ao seu sócio de banca, Magalhães e Silva, no
escritório acanhado da rua das Taipas, onde viera aterrar após a digressão por
Inglaterra: «Vou regressar à minha aldeia. Quero morrer onde nasci… É pagar uma
dívida sagrada». Era novo para morrer, tão novo, que ali viveu quarenta e uma
nos, até que a vida se lhe extinguiu, em 14 de Dezembro de 1952. E que sonhos,
que desvairadas fantasias, que lumes postos nos montes e que caveiras nos
penhascos, que amorosos e extenuados retratos da impossível Leonor, que dor (e
que exaltação) de estar a viver de fantasmas e sombras, de espectros e anjos,
de incêndios e tempestades. Tudo isso lho desatou e ateou a casa, aquela casa,
«o velho pardieiro da infância», a cujo portão de ferro, o que fecha, com as
três fechaduras da casa, o terreiro
grande, assomou, num dia de 1911, o advogado Joaquim Pereira Teixeira de
Vasconcellos: «em conclusão, o poeta venceu o advogado, adoecendo ou tirando
forças da fraqueza». Daí em diante, Teixeira ficava entregue a Pascoaes.
Andava desesperado a tentar fazer um disco, mas não
queria fazer singles, discos de 45 rotações – o género de músicas que passava
na rádio. Os cantores folk, os
artistas de jazz e os músicos clássicos, faziam LPs, alguns com imensas
canções nas espiras – inventavam identidades e criavam desequilíbrios, tinham
mais impacto. Os LPs eram como a força da gravidade. Tinham capas à frente e
atrás que dava para admirar horas a fio. Comparados com eles, os de 45 rotações
eram fininhos e por acabar. Amontoavam-se e parecia que não valiam nada. De
qualquer forma eu não tinha uma única canção no meu reportório para a rádio
comercial. Canções sobre contrabandistas depravados, mães que afogavam os próprios
filhos, Cadillacs, trevas e cadáveres no fundo dos rios não eram para
radiófilos, Não havia nada de pacato nas músicas folk que eu cantava.
Não eram fáceis nem amadurecidas. Não davam calmamente à costa. Acho que se
pode dizer que não eram comerciais. Não era só isso, o meu estilo era demasiado
errático e difícil de encaixar na rádio e as canções, para mim, eram mais do
que mero entretinimento ligeiro.
Teixeira de Pascoaes: um rosto de pedra atormentada,
um olhar de infatigável espião das sombras, um sorriso bom como o fogo das
lareiras…
Teixeira de Pascoaes ou a bondade do que é grande, a
«bondade» do Marão…
«Teixeira de Pascoaes? Pois sim… Pois sim…», diz o
cretino que sempre aparece ao nosso lado, como um anão saltitante, quando a
morte dum grande poeta ou de qualquer outro «’anormal» nos dá, em bloco, todas as razões de o amarmos sem reservar
sentimentos, sem aguardar cautelosamente que tudo seja dito para tomarmos
partido, para assumirmos a atitude «conveniente», o ponto de vista «a ter», o
gosto a exibir…
«Pois sim… Pois sim…» como se fosse meter o poeta do Regresso do Paraíso num encolher de
ombros ou num arroto de despeito… (E eu pensava, com aquele extremo cansaço,
aquela imensa vontade de desistir que nos assalta quando topamos com certos
«especialistas» de poesia: «Talvez não arrotes o mesmo quando chegares à minha
idade…»)
«Pois sim… Pois sim…, como se fosse possível reduzir o
poeta a uma «filosofia», arrumar em quatro palavras Teixeira de Pascoaes, momento da nossa poesia, mastro desse barco
de loucos que é a nossa poesia portuguesa!
«Pois sim… Pois sim…», como se fosse possível à
mediocridade fazer passar os gigantes por moinhos, os grandes poetas por
moinhos de palavras…
Tudo isto – a morte de Pascoaes, o atrevimento dos
ignorantões, a necessidade adulta de conhecer e ajudar a conhecer, das raízes
aos ramos e dos ramos aos pássaros, a árvore da poesia que resiste e cresce
neste chão português – tudo isto precipitou em mim a lembrança do grande poeta,
desse pequeno homem simples, desse velho de fácil convívio e «impertinente»
juventude.
Pela leitura da
Correspondência trocada entre Jorge de Sena e Eugénio de Andrade, constata-se que
ambos eram entusiastas da obra de Teixeira de Pascoaes.
Após a morte de
Teixeira de Pascoaes, Jorge de Sena tem a ideia de organizar uma edição dos «Cadernos de Poesia» sobre o poeta. Eugénio de Andrade, em carta datada de 19 de
Dezembro de 1952, escreve:
Na Biblioteca do
meu pai, não havia um único livro de Teixeira de Pascoaes.
Quando em Junho
de 1966 li A Memória das Palavrasdei com os encómios que o José Gomes
Ferreira dedica a Pascoaes:
«A conselho de Leonardo Coimbra comprei o Sempre e então aconteceu o abismo. De
súbito ruíram-se-me na alma anos e anos de falsa literatura, de improvisos à
Bocage, de construções de palavras de caliça, sem subterrâneos, com que a
pátria oficial das escolas sufoca desde a infância verdadeira poesia a correr
em fontes de borboletas absurdas…»
Meti conversa
com o meu pai sobre Teixeira de Pascoaes e ele disse-me que era escritor que
não o entusiasmava. O meu pai era das pessoas menos saudosistas que até hoje
conheci.
Nestas
circunstâncias, e tendo respeito por opiniões de gente como José Gomes Ferreira,
e como gostei sempre de melhorar a minha
vasta ignorância, andei pelas livrarias, alguns alfarrabistas, em demanda de um
qualquer livro de Teixeira de Pascoaes.
Não tive
qualquer ponta de sorte e mesmo ao longo dos tempos nunca encontrei obras de
Pascoaes.
De modo que
Pascoes é uma das muitas lacunas que transporto.
E, pelo andar da
carruagem, penso que assim continuará a ser.
Por sinal, José
Gomes Ferreira, refere, já naquele tempo, a dificuldade em encontrar livros de Pascoaes:
«Sim. Já lá vão anos sem fim desde a última vez que
falei com Teixeira de Pascoaes, aqui, diante desta montra… (Sinto que vou
indignar-me!) sim, exactamente aqui, diante desta montra (Vem, indignação,
vem!), onde nunca, nunca, nunca, NUNCA me lembro de ter visto exposto um único
livro de versos do Poeta. Nem aqui, nem em qualquer outra montra de Lisboa,
aliás. Só nos alfarrabistas, para educação das traças.
Dir-se-ia que Teixeira de Pascoaes não existe.»
Remato este evocação
de Teixeira de Pascoaes, folheando a História da Literatura Portuguesa de
António José Saraiva e Óscar Lopes, capítulo intitulado «Teixeira de Pascoaes
e a evolução do Saudosismo»:
«A designação de Saudosismo pertence, em sentido
restrito e corrente, a um movimento estético e doutrinário que tem como figura
central o poeta Teixeira de Pascoaes. Embora influenciado pela estética
simbolista, o saudosismo deve considerar-se sobretudo com um desenvolvimento do
misticismo panteísta que se acentua na fase declinante da geração de 70.»
Propriamente sobre
Teixeira de Pascoaes:
«A comunicabilidade da obra de Pascoaes é muito
prejudicada, e sê-lo-á cada vez mais, pela sua pretensão de atingir profundas
verdades através de meras extrapolações analógicas, por certa suficiência em
que se insulou, com o seu círculo de admiradores desenraizados dos problemas
reais portugueses. No entanto, subsiste nalguns dos seus livros certo fôlego,
certa largueza de concepção do romantismo progressista (Vida Etérea, 1906; Regresso ao Paraíso,
1912); e no seu lirismo, monòtonamente elegíaco e sombrio, há, em
compensação, uma sensibilidade vibrátil
que alarga os seus motivos de interesse para fora do vulgar âmbito pessoalista
e erótico: há como que um sentido franciscano de companheirismo que abrange
mulheres, homens, símbolos, bichos, árvores, pedras, o Marão, Tâmega e a
própria morte (Senhora da Noite, 1909; Marânus, 1911; o Doido e a Morte,
1913; Elegia do Amor, 1924; etc.).»
Já li a nossa homenagem ao Pascoaes nos Cadernos. Não
sendo ainda o que o nosso grande poeta merece, é no entanto uma coisa digna,
limpa, com alguns depoimentos sérios. Sabe, Jorge, sinto o Pascoaes crescer
espantosamente, dia a dia. Agora ao reler certos livros e ao ler outros, de prosa,
que ainda não tinha lido, sinto-me envergonhado. Ele era tão grande, e nós à
sua roda, não dávamos por essa grandeza excessiva! Não faz ideia, como isso,
ontem à noite, ao acabar o Duplo Passeio, se me tornou evidente. Até o que não
presta é de boa qualidade! Tem presente este livro? Se não tem, releia-o,
peço-lhe. Algumas páginas são tão grandes como certo Rimbaud, certo
Lautréamont.
O depoimento do Torga é chocante, para não lhe chamar
outra coisa. Naturalmente que a obra do Pascoaes tem defeitos, todos nós o
sabemos. Qual é o grande poeta que os não tem? Mas reduzi-lo a esses defeitos,
como o torga faz, é… horrível! Creio que não fui só eu a ficar chocado. Muita
gente me tem falado nisso.
Jorge de Sena,
em carta datada de 3 de Março de 1953, responde a Eugénio de Andrade e refere o
depoimento de Miguel Torga:
Ocorre-me, agora, a prosa de Torga, de facto bastante
triste – mas não terá pelo menos a virtude de ser sincera… na medida em que
mais uma vez Torga se confessa o «único»?
Morreu Teixeira de Pascoais, e nova glória ambígua
surge no Olimpo doméstico da nossa poesia. Ao lado de dois ou três nomes
recortados e fatais que reinam ali, e a qualquer evocação devota se não pode
esquivar, o seu ficará sempre esfumado e contingente. Incapaz de uma visão
renovada dos mitos que cantou – e eu penso na sua vivência do amor, tão banal
ao lado da de Camões, ou na sua representação da morte, ainda de foice à nossa
espera ao canto da rua, quando outros no-la mostravam já dentro de nós -, velho
e revelho na forma e no conteúdo, por muito que se queira é difícil concebê-lo
nítido e presente na memória duma posteridade que exige dos próprios deuses
milagres cada vez mais concisos e originais. O pseudo-pensamento, a metafísica
de caixa alta, as sínteses arbitrárias e o resto, são escuridões que só geniais
relâmpagos de intuição e de autêntica beleza, marcadamente seus, conseguem
iluminar. A ascese que redimiu a poesia, e é por certo a maior conquista que se
fez ultimamente no campo do espírito, não a pôde entender o autor de Maránus. Ali era o transbordamento, a
retórica, o caos, os sentimentos e as paixões a moverem-se sonâmbulos numa
noite de luar difuso. Bardo in natura, lírico em disponibilidade
permanente, por fatalidade étnica, faltou a Pascoais a compreensão de que o
abandono emotivo passara a ser implacàvelmente, para que nenhum elemento impuro
viesse toldar a claridade sucinta do poema. Criança no mais rigoroso e temporal
sentido, o Poeta não conseguiu a ordenação adulta dos grandes criadores. E é
talvez nessa infância que durou uma vida, na perplexa visão dum mundo informe,
e na ingénua maneira de o testemunhar, que reside o interesse e o problema da
sua personalidade e da sua obra.
Com o habitual
espectáculo mediático, assistência em redor da mesa, o tirar a tampa da caneta,
Donald Trump prossegue a assinatura de decretos que visam cumprir as promessas
eleitorais.
Assinou ontem o
decreto executivo a autorizar o início da construção do muro na fronteira entre
os Estados Unidos e o México para impedir a imigração ilegal. Ao mesmo tempo,
assinou outro decreto que ordena o reforço de medidas de segurança na fronteira
entre os dois países, aumentando o número de agentes na região, a expansão de
centros de detenção, alguns a serem geridos por entidades privadas, e a
suspensão da transferência de verbas federais para as cidades santuárias.
E voltou a
garantir que o México irá pagar a construção do muro a 100%.
O Presidente
Enrique Peña Nieto voltou a dizer que é contra qualquer tipo de muros e já
cancelou o encontro que estava agendado para aproxima semana com o presidente
dos Estados Unidos
2.
Donald Trump, em
entrevista televisiva garantiu, que, tendo perguntado aos líderes dos serviços de inteligência
americanos se a tortura funciona para responder ao terrorismo, recebeu como
resposta:
Absolutamente!
Segundo as
últimas informações avançadas pela imprensa, Trump estará mesmo a preparar-se
para assinar uma ordem executiva que permitiria restabelecer os centros de
detenção clandestina da CIA, conhecidos como black sites (lugares
negros), instituídos após o 11 de setembro de 2001. Nestes centros, não se
aplicavam as limitações aos interrogatórios coercivos previstas no manual do
exército norte-americano, cujo objetivo é assegurar o cumprimento das
Convenções de Genebra, base do direito humanitário internacional.
John McCain,
senador republicano que foi vítima de tortura e é co-autor de uma lei que entrou
em vigor em 2015, que impede as agências de segurança norte-americanas de
recorrerem a técnicas de interrogação para além das previstas no manual do
exército, já veio dizer que Trump poderá assinar os decretos que quiser, mas não
vamos trazer de volta a tortura aos Estados Unidos.
A obra de um homem não é senão esse longo caminho para
encontrar, pelos desvios da arte, as duas ou três imagens simples e grandes
sobre as quais o coração pela primeira vez se abriu.
Enquanto atravessava a Sexta Avenida, as palavras
Callas é Medeia é Callas rodopiavam de modo ritmado ao som dos calcanhares das
minhas botas a bater np pavimento. Pier Pailo Pasilini estudos com cuidado as possibilidades
de elenco e acabou por escolher Maria Callas, uma das vozes mais expressivas de
todos os tempos, para um papel é pico com pouco diálogo e em que o canto não
entrava. Medeia não canta canções de
embalar, ela assassina os próprios filhos. Callas não era uma cantora perfeita,
mas a sua voz saía das entranhas do seu ser e fê-la conquistar a pulso o seu
lugar no mundo. A tristeza das heroínas que encarnou não a preparou para a sua própria
dor. Traída, abandonada, ficou sem amor, sem voz, sem o filho que perdera, condenada
a viver a sua vida em solidão. Preferia imaginar Callas livre das pesadas
vestes de Medeia, a rainha queimada, na túnica amarelo-claro sob elas. Usava pérolas.
A luz inunda o seu apartamento em paris quando pega num pequeno guarda-joias de
couro. O amor é a joia mais preciosa de todas, murmura, desapartando as pérolas
que lhe caem da garganta, escalas cantadas em ondulações de sofrimento que
diminuem depois até ao silêncio.
A desordem que se viveu, o espetáculo social e humano
absolutamente degradante a que se assistiu nos tempos imediatos à Revolução do
25 de Abril, a estupefação, a incredulidade, a impossibilidade de conviver com
toda uma imensa miséria cultural de um país com um enorme índice de
analfabetismo alimentado pelo regime salazarista e que vinha agora «ao de cima»
nas mais elementares situações do quotidiano, de compreender e aceitar a
balbúrdia instalada, a agonia provocada por um tão grande desequilíbrio, pelas
frases tão grosseiras que ouvia na rua, nos transportes públicos, nas lojas,
enfim, por toda a parte, pela dificuldade da aceitação de novas atitudes de
«liberdade», tudo isto, todos estes fenómenos sociais o deprimiram
intensamente. Não a Revolução em si, porque essa foi desejada, naturalmente,
mas o que a Revolução deixou ver e que não cabe aqui neste livro demonstrar.
Rómulo de Carvalho viveu a situação profundamente
amargurado. No seu livro Memórias, o leitor poderá observar descrições
pormenorizadas, todas documentadas, de cenas do dia a dia. Cenas e dizeres
absolutamente inacreditáveis que, sem qualquer orgulho, fazem parte de um certo
rascunho da nossa História recente. Ele reuniu muita documentação dessa época
especial, socialmente falando, que espelha, nas mais perfeitas condições, um
determinado e peculiar comportamento de toda uma sociedade. Qualquer pessoa
ficará impressionada ao ler esses relatos compilados pela mão serena de um
homem a tento e admirado com tudo o que passou nessa altura.
Em finais de 1974 elaborou o requerimento que iria
proporcionar-lhe a aposentação e em janeiro de 1975 foi confirmada essa
aposentação.
Ao fim de quarenta e dois anos de ensino presidencial,
sem nunca ter usado gravata e sem a mesma cor política desses cinzentos
governantes, Rómulo de Carvalho terminava a sua atuação como professor mas não terminava
a sua vida cheia de atividades, ligadas sempre ao ensino e à divulgação
cultural, que foram uma constante durante toda a sua vida.
Guardanapo do «3º Anel», restaurante que pode ser visitado sempre que se deslocar à Catedral. A qualidade da comida e o preço acessível fazem com que, volta e meia, o frequente. Sempre que vou à Loja do Benfica, ou tratar de algum pormenor relacionado com bilhetes para os meus netos, a visita está garantida.
No dia da tomada
de posse, Donald Trump, partilhou uma mensagem no Twitter em que apelava
ao consumo de produtos norte-americanos, mas foi acusado de hipocrisia.
Depois de Donald
Trump ter invocado o patriotismo no seu discurso de tomada de posse, pediu, nas
redes sociais, para que se pense primeiro na América, na hora de tirar dinheiro
do bolso, apelando ao consumo de produtos norte-americanos: Vamos seguir
duas simples regras: Comprar americano e contratar americano!
A inenarrável, a
hipócrita, outras coisas mais, criatura que dá pelo nome de Donald Trump, esqueceu-se
(?) que os bonés que foram oferecidos antes e durante a sua tomada de posse, assim
como uma série de artigos da marca Donald J. Trump, foram feitos na China.
Algumas horas
depois do polémico tweet, uma utilizadora respondeu ao presidente,
partilhando uma mensagem que, horas antes, a deputada democrata Cheri Bustos
tinha publicado: Um colega republicano deixou-me ver o seu chapéu de Trump.
Foi feito na China. É só conversa, não há acções? Legenda: imagem tirada do Jornal de Notícias.
Pensando bem, os discos que mais me interessavam eram
aqueles em que os cantores pareciam, ao mesmo tempo, felizes e tristes. «This
Magic Moment». «Saturday Night at the Movies», «Upo n the Roof» dos Drifters – canções
que apelavam à alegria e aos desgostos amorosos do dia a dia. Era uma música cheia
de uma profunda nostalgia, de momentos de transcendência espiritual, de uma
resignação madura e… de esperança. Esperança em relação àquela rapariga, àquele
momento, àquele lugar, àquela noite em que tudo muda, em que a vida se nos
revela e em que nós nos revelamos. Eram canções que reflectiam o desejo por um
sítio verdadeiro, um sítio só nosso… no cinema, no centro da cidade, nos
arredores, em cima do telhado, por baixo dos passadiços, escondidos do sol,
onde ninguém nos visse, algures acima ou abaixo da luz cruel do mundo, dos
adultos. O mundo dos adultos, esse lugar de desonestidade, engano, falta de
generosidade, onde as pessoas eram escravizadas, magoadas, postas em perigo,
espancadas, derrotadas, onde as pessoas morriam – Deus, obrigadinho, mas, por
agora não estamos interessados. Preferimos o mundo da pop.
1)Donald Trump passou a campanha eleitoral a
atacar os serviços secretos.
No sábado, foi à
sede da CIA garantir que será o maior apoiante do conjunto das agências de
informação e segurança, a tal ponto será esse apoio que as agências até pedirão
para ter menos.
Vocês vão ter tanto apoio que vão acabar por dizer «por
favor, senhor Presidente, não nos dê tanto apoio».
Voltou a
garantirque o terrorismo radical islâmico tem de ser erradicado da
face da terra”.
Ainda não disse
como o vai conseguir!...
2)Sean Spicer, porta-voz de Donald Trump, chamou
os jornalistas à
Casa Branca para
lhes dizer que o presidente não tinha gostado que tivesse sido questionado o número de pessoas que assistiram à tomada
de posse.
Segundo Sean
Spicer, a imprensa falseou as notícias para dar a entender que a assistência era
mais baixa e fez a sua própria avaliação da dimensão da assistência: esta
foi a maior assistência que assistiu a uma tomada de posse, ponto!” e que
as notícias que saíram a dizer o contrário, são vergonhosas e erradas.
Durante a visita
à CIA, Trump já afirmara que a imprensa norte-americana tinha dos seres mais
desonestos à face da terra.
Spicer, Depois
de informar os jornalistas que Donald
Trump se vai encontrar com o Presidente do México no dia 31, que a
primeira-ministra britânica será o primeiro chefe de governo a visitar a Casa
Branca, já na próxima semana, e que Donald Trump também já terá conversado com
o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, abandonou a sala sem sequer
ouvir as perguntas dos jornalistas.
Relembrando
cinema, velhos filmes e as sessões da infância no velho «Nacional» (onde nunca
entro sem que uma mão misteriosa me aperte o coração quando olho para aquelas
cadeiras pequenas e inconfortáveis das 8 primeiras filas – o nosso reino!)
recordei o 1º filme que vi ou que eu penso ser o 1º - «Os Aventureiros dos
mares do Sul» com T(yrone) Power e já não me lembro mais quem. Mas o que me
alegra nessa lembrança é o reconhecimento de que desde criança, a m/ intuição
me fazia aderir aos aspectos construtivos dos sentimentos e factos. Não me
lembro de nada do filme, a não ser que o «herói» naufragava e era atirado para
as praias de uma ilha dos mares do Sul. Lembro-me sim do seu amor com uma
nativa e do que até hoje guardo como prova desse amor: uma bela cena, na praia,
atrás dumas rochas, quando a aldeia vai surpreender o herói, ensinando a moça a
ler e a escrever nas areias da praia! Esse aspecto construtivo do amor, ficou
sedimentado em mim criança e ainda hoje, creio, que é o que me dá a medida real
dum amor, é a esse aspecto construtivo que refiro sempre qdo. tenho de
comparar, imaginar, referir. É bom reconhecer, a mais de 20 anos de distância,
a persistência das boas qualidades inatas que nem a «sordidez» e a estupidez»
depois de alguns anos de vida post-adolescente, conseguiram afastar. E que
tornaram possível o melhoramento de mim com o mesmo amor e a compreensão da
minha bela companheira e namorada K.
Recebi simultaneamente a tua carta e original de Cavafy,
há já alguns dias, mas não tive ocasião de te escrever logo após a leitura
dos poemas, como gostaria de ter feito. Comparei mesmo alguns poemas com a
tradução do Pontani. Como imaginava, a tua tradução é incomparável,
particularmente, os poemas breves, os mais difíceis de traduzir, pelo risco que
alguns correm de se transformarem numa quase banalidade madrigalesca, o que
acontecia com as traduções francesas, a que não escapam mesmo as traduções mais
belas. É um prodígio o que consegues. E se podes afirmar, apoiado em Goethe,
que não há grande poema que não possa ser traduzido, seria indispensável juntar
que tudo vai do tradutor. Ora o Cavafy teve a sorte de te encontrar no caminho.
Se dou mais relevo às traduções dos «eróticos » (achando igualmente notável o
que fizeste dos três poemas do Cavafy que prefiro – «O deus abandona Marco
António», «Ítaca» e «À espera dos bárbaros») é tão-só porque considero a
tradução de tais poemas mais difíceis que os outros. A matéria, além de muito
frágil é, em outro sentido, delicada. Tu resolves tudo com uma franqueza, uma
elegância e uma frescura verdadeiramente notáveis. Reparo até que os poemas têm
uma força explosiva que só intuíra nas traduções francesas ou italianas,
receando até que tais poemas constituam um pequeno escândalo, justamente, como
muito bem referes no teu prefácio, que é muito corajoso, pela nobreza moral que
revelam, isentos, como são, dos perversos conceitos de «pecado».
As traduções deram-me uma grande alegria.Este livro
pertence-me. A primeira vez que traduziste o Cavafy, lembras-te?, foi para mim,
numa noite em tua casa, talvez depois da leitura de As Evidências. Quando
apareceram as tuas primeiras traduções no Comércio, estimulei-te, através
de correspondência, no sentido de publicares novas traduções. Quando o editor
me pediu a indicação de alguns poetas estrangeiros para a colecção que iniciou
com o Lorca, o Cavafy, traduzido por ti, foi dos primeiros nomes que apontei.
«Um deus abandona Marco António» e «A origem» são poemas que me acompanham
desde a tua tradução no Comércio. (Pude assim notar agora as variantes,
importantíssimas, lendo agora «A Origem» neste teu volume).
Felizmente que a alegria que me deu o teu livro me
compensou da melancolia da tua carta. O que sobretudo lamento, nesta história
do prémio, é que por via de o não receberes sejamos privados de nova visita
tua. Tu já sabes o descrédito que tem para mim a chamada glória literária.
Ser-se Namora, para me servir da tua expressão, é coisa que suponho não
interessa a ninguém. Que importa o êxito? Tu não és um escritor para multidões,
não no fundo o desejaste nunca ser. De um certo êxito suponho que terás até desprezo.
Podes estar tranquilo: a tua obra está aí, e brilha, e aquece. Ela pertence aos
melhores, como bem sabes. É pena, realmente, que a tal ilha, Taiti ou outra
qualquer (a minha fica no mar grego), não esteja nunca senão no nosso desejo.
Que havemos de fazer? Suportar é tudo – não foi o Rilke que disse?
Suportar– não há para nós outra solução sob pena de abdicarmos de sermos
homens.
Na próxima carta já te direi quais são os teus 50
poemas que prefiro. Tenho o maior gosto em indicar-tos.
Lembranças afectuosas à Mécia. Para ti o maior abraço
do muito
teu,
Eugénio
(Carta deEugénio
de Andradea Jorge de Sena, datada de 21 de Maio de 1969)