sexta-feira, 31 de maio de 2019

POSTAIS SEM SELO


Vive, pois viver e existir são coisas bastante diferentes. Entre ambas há um abismo: vegetar.

Dedicatória, assinatura elegível, encontrada no livro Ernest Hemingway de Stewart Sanderson, livro que comprei num alfarrabista em 3 de Novembro de 1967.

OLHAR AS CAPAS



Ernest Hemingway

Stewart Sanderson
Tradução: José Manuel Simões
Capa: A. Dias
Colecção Biografia de Bolso nº 4
Editorial Presença, Lisboa

Hemnigway tem sido sempre um artífice consciencioso. No início da sua carreira passou por uma aprendizagem rigorosa, que impôs a si próprio, e tem continuado a trabalhar cuidadosa e escrupulosamente desde então. A primeira versão de O Adeus às Armas foi completada em seis meses de trabalho árduo, mas ele gastou outros cinco na revisão, e continuou a trabalhar a última página mesmo quando já estava em provas, Diz-se que leu o manuscrito de O Velho e o mar duzentas vezes, antes de o entregar aos tipógrafos.

DO BAÚ DOS POSTAIS


Continuação dos postais da Cristina e do Miguel.
«Finalmente na casa do Elvis! Mas chegámos muito tarde, os bilhetes são um roubo (120 euros...!) e optámos por não entrar e ver apenas de fora. Mas não nos esquecemos de umas lembrançazinhas para ti.»

SARAMAGUEANDO


«Eu nunca tive uma formação jornalística, nem uma vocação jornalística, digamos; foi alguma coisa que tive de fazer contra vontade. E aí a regra mandava que se tinha de escrever à máquina. Devo algumas coisas ao jornalismo. Com certeza, do ponto de vista tecnológico devo isso. Como estava obrigado a escrever, enfim, com a velha caneta de tinta permanente, e tampouco com a esferográfica, porque me dá a ideia de que escreve mais depressa – ou que tudo escreve mais devagar do que aquilo que eu necessito. A minha máquina era uma máquina velhíssima, que tinha pelo menos 30 anos, uma Hermes Media, toda ela metálica.»

Parágrafo sublinhado da página 204 de Rota da Vida, José Saramago conversando  com jornalistas da Folha de S. Paulo, Maio de 1989.
Porque tive uma caneta de tinta permanente Parker.
Desapareceu.
Perdida? Roubada?
A pena que eu tenho daquela caneta…
Não mais tive outra igual.
Não mais terei.
Porque tive uma máquina de escrever, uma Erika, também toda ela metálica.
Escrevi pouco com ela.
Os tempos eram muito difíceis, e uma vez, o meu pai não tinha dinheiro para a renda de casa, e a máquina foi parar à Casa de Penhores.
Só passados muitos anos, juros pagos mensalmente, a recuperei.
Um destes dias, fotografo e coloco-a aqui.
The Story of My Life, como canta o Neil Diamond.

Legenda: máquina de escrever de Carlos de Oliveira, também uma Hermes, exposição mo Museu do Neo-Realismo, Outubro 2017

quinta-feira, 30 de maio de 2019

POSTAIS SEM SELO



Quando me falta a leitura, falta-me tudo.

António Ramos Rosa numa carta para Jorge de Sena.

Legenda: fotografia de Vanessa Bell.

DO BAÚ DOS POSTAIS


Savannah, Georgia,
Este postal é da cidade que dizem ser a mais bonita de todos os Estados Unidos. Infelizmente tivemos de a percorrer debaixo de muita chuva.

RELACIONADOS

Este é o EP, comprado pelo meu pai, em que Richard Anthony, com poema de Guy Bontempelli, canta Aranjuez, Mon Amour.
As memórias vão-se esvaindo, mas suponho que havia lá em casa mais versões cantadas, inclusive uma da Amália com uma versão adaptada por David Mourão Ferreira.
Quando fechei a casa do meu pai, todos os livros e discos vieram para aqui.
Mas agora não o encontrei.
É pena.
Ficamos apenas com o Senhor Richard Anthony.

EM ARANJUEZ PASSANDO POR COCHOFEL


João José Cochofel é um amável poeta.

Claro que já ninguém o lê, muito poucos saberão quem seja.

Quando havia tertúlias nos cafés de Lisboa, lá estava ele juntamente com o Carlos de Oliveira, o Augusto Abelaira, o José Gomes Ferreira, o Manuel Mendes.

Penso na casa de campo que tinha no Senhor da Serra, em Semide, onde na sala Ping-Pong nasceu o projecto musical Marchas, Danças e Canções.

Em Setembro de 1945, a casa de João José Cochofel no Senhor da Serra, em Semide, juntou Fernando Lopes-Graça, Carlos de Oliveira, José Gomes Ferreira e João José Cochofel.

Um ministro de Salazar disse:

«É mais perigoso um mi bemol de Lopes Graça do que mil panfletos subversivos.»

José Gomes Ferreira, em A Memória das Palavras ou o Gosto de Falar de Mim, conta como, naquele ano de 1945, tudo começou:

«Nesse Verão, como lhe contasse que eu ainda não tinha encontrado poiso no campo para convalescer, Fernando Lopes Graça, propôs-me:

-Venha comigo para o Senhor da Serra, perto de Semide…

- Há por lá alguma pensão?

- Pensão propriamente dita não há. Mas a srª Rosinha costuma receber hóspedes num quartito muito limpo e com uma vista extraordinária para o Vale da Lousã… E fica a dois passos da casa do João José Cochofel, onde vou instalar-me.»

Na casa de João José Cochofel juntaram-se, então, Fernando Lopes Graça, José Gomes Ferreira, Carlos de Oliveira.

Tudo isto para vos dizer que ao folhear o 46º Aniversário de João José Cochofel, pág. 127, encontrei o poema XI de Emigrante Clandestino, com estes versos sublinhados:

«O concerto de Aranjuez aquece e refresca
esta tristeza de emigrar
sem ter para onde na bagagem.»

A tal ponto que chegou a comprar um EP do Richard Anthony em que o francês canta um excerto do Concerto. Chegou a falar-me se quando encontrasse interpretações cantadas do Concerto lhe dissesse. Prazeres secretos nunca revelados.

Aqui há uns largos tempos, a Aida falou-me de que existia uma interpretação de Dulce Pontes. 

O meu já há muito que não anda por aqui, e eu não sou fã da cantora, mas o ter encontrado o poema do Cochofel fez-me lembrar que deveria ir à procura da interpretação da Dulce Pontes.

Estou certo que o meu pai gostaria e, por ele, nesta tarde asfixiante de calor, deixo-vos a Dulce Pontes com um trecho do Concerto de Aranjuez e o poema do João José Cochofel:

Aranjuez surge
com as suas águas mais vivas,
as suas sombras mais densas,
o seu sol mais estival,
que os olhos cegos de Rodrigo
trouxeram até à lonjura sem distância de ouvir
entre a pedra violenta de Toledo
 a carne lilás da caixeirinha da Gran Via
a guitarra de Yepes
O concerto de Aranjuez aquece e refresca
esta tristeza de emigrar
sem ter para onde na bagagem.

UM LIVRO EM CIRCULAÇÃO CLANDESTINA


Atravessei depressa a juventude.
Tinha duas coisas- a alegria e o terror.
Percorri-os sem tomar fôlego.
Quando cheguei ao outro lado, encontrava-me em frente da maturidade- estupefacto.
Não conhecia os nomes nem as subtilezas.
Falando com certas pessoas eu dizia: conheci a alegria e o terror.
Elas sorriam.
Parece que eram sábias.
Ou estúpidas.
Nada sei disso.

Excerto de poema de Herberto Helder em Apresentação do Rosto.
Nunca consegui encontrar este livro de Herberto Helder. Melhor: encontrei-o, há dias, à venda na Loja Frenesi, mas custava 420,00 euros, completamente fora do orçamento e já não me posso sacrificar porque, medicamente, fui proibido de comer salsichas Isidoro, qual alheira de Mirandela, como naquela canção do Fausto, nem num dia quanto mais salsichas numa série de dias, não sei quê os triglicéridos, qualquer coisa assim…

Este é o texto que copio da Frenesi:

HERBERTO HELDER
capa de Espiga Pinto

Lisboa, Maio de 1968
Editora Ulisseia Limitada
impresso na tipografia do «Jornal do Fundão» de António Pauloro
1.ª edição
18,8 cm x 12,4 cm
220 págs.
reproduz na badana uma das raras fotografias do Autor
exemplar muito estimado; miolo limpo, parcialmente aberto
PEÇA DE COLECÇÃO
420,00 eur (IVA e portes incluídos)

Trata-se do livro mítico que HH tentou, ao longo dos anos, fazer desaparecer da sua bibliografia. Apreendido pela polícia in situ na casa editora, poucos volumes sobreviveram, quer à rusga quer ao próprio Autor. Hoje em dia – após um árduo percurso de escassa circulação clandestina – aqueles que surgem à venda são quase sempre os mesmos exemplares, que têm vindo a passar de mão em mão dos coleccionadores.
Exactamente devido a um historial assim, o renegado livro mereceu do poeta Manuel de Freitas um estudo que a casa & etc tornou público: Uma Espécie de Crime: Apresentação do Rosto de Herberto Helder (Lisboa, 2001).
Na época, a poucos dias de surgir o livro no mercado, HH respondia assim a uma entrevista conduzida por Maria Teresa Horta (A Capital, suplemento «Literatura & Arte», Lisboa, 10 de Abril de 1968):
«Com uma nova alegria no rosto, uma nova confiança nas suas palavras, Herberto Hélder fala-nos pausadamente, responde sem hesitações.
– Diz-se que tem um romance a sair brevemente, é verdade?
– Não é um romance. Pelo menos se considerarmos as noções do romance tradicional... É antes uma montagem de textos de natureza autobiográfica, tendo uma unidade subjacente de sentido e uma unidade evidente de estilo.
[...] A necessidade de escrever prosa parece ter-me surgido durante certo tempo de experiências muito concretas cuja essência eu ainda não apreendera, mas cujo carácter muito concreto e imediato pedia que fosse expresso. A poesia, para mim, não me parecia o melhor meio de revelar esta experiência e dela me libertar. Além disso, um ritmo novo aparecera na minha linguagem. Eu não sabia como adaptá-lo ao que considerava o meu ritmo pessoal de poema. [...]»
Surgia, então, este livro num momento em que, por assim dizer, o Autor encerrava um ciclo, e que se resumia à edição, também então recente, da sua “poesia toda” sob o título Ofício Cantante (Portugália Editora, Lisboa, 1967).

Herberto Helder sempre foi um autor estranho.
Nunca consegui saber - ou sei?! -  das razões porque entendeu correr com este livro da sua bibliografia.
Claro que sempre dizia que se quisesse enlouquecia pois sabia uma quantidade enorme de histórias terríveis…

quarta-feira, 29 de maio de 2019

POSTAIS SEM SELO



Recordo-me ter lido umas instruções aos inquisidores que diziam, mais ou menos, isto acerca dos livros em exame: se houver algo a cortar, é cortar essas partes insidiosas, porém, se a obra não apresentar, a uma primeira leitura, nada de censurável, então deve ser totalmente proibida a sua edição, pois isso apenas pode significar que a insídia se encontra completamente disfarçada.

José Viale Moutinho

DO BAÚ DOS POSTAIS



O postal mostra Charleston na Carolina do Sul.
Escreve o Miguel:
«Mais um postaleco de uma cidade muito bonita. Existem aqui as mais bonitas casas coloniais do período antes da guerra civil.»

OLHAR AS CAPAS


Ponte de Areia

Frank Gruber
Tradução: Fernanda Pinto Rodrigues
Capa: Lima de Freitas
Colecção Vampiro nº 226
Livros do Brasil s/d

Estava no hospital havia três dias quando consentiram que ela o visse. Carolyn sentou-se ao lado da sua cama e segurou-lhe na mão.
Passados momentos, Ahmed perguntou-lhe com dificuldade:
- O manuscrito… ficou danificado?
- Não. Estava tão intacto, tão perfeito, como da primeira vez que foi utilizado.
- Onde está?
- Na universidade. Eles… leram-no…
- Aceitaram-no?
Carolyn hesitou, mas por fim abanou a cabeça e murmurou:
-Submeterem-no à prova do «Carbono-14». O pergaminho é antigo, de facto, mas insistem em que a escrita está demasiado nítida… parece muito recente. Não pode ter sido escrito por… por Ele.
O homem que dizia chamar-se Ahmed Fosse pensou no que fora durante vinte e cinco anos, no que se tornara ao sentar-se, naquela noite, na Montanha, perto do mar da Galileia, e recordou as coisas em que pensara, então o que aprendera desde que tocara pela primeira vez no rolo de velino com dezanove séculos de existência.
Ele sabia a verdade.

UM CHAUFFEUR RUSSO E UMA CAPA VERMELHA


Segundo números da Comissão do Livro Negro sobre o Fascismo, foram proibidas cerca de 3.300 obras pela PIDE.

Sabe-se que o romance de Max du Veuzit, John Chauffeur Russo, foi alvo de apreensão porque deveria ter algo de subversivo, e que o editor e livreiro José Ribeiro teve de ir à António Maria Cardoso explicar porque publicara o livro Isto Anda Tudo Ligado de Eduardo Guerra Carneiro com capa vermelha.

O editor e livreiro Fernando Fernandes disse um dia:

«Quando um editor suspeitava que um determinado livro estava sujeito a ser proibido combinava previamente com as livrarias da sua confiança e o envio de uma determinada quantidade de exemplares, par que no seu armazém ficasse apenas uma quantidade mínima destinada a uma eventual visita da polícia. Logo que a proibição se confirmava, as editoras informavam de imediato as livrarias e estas, por sua vez, tomavam as medidas necessárias, as quais se resumiam a esconder os livros e a avisar os seus clientes em quem podiam confiar. Para isso tinham já os seus lugares secretos só acessíveis a poucos. Mas o medo era uma constante, o medo já enraizado no subconsciente, que se manifestava mais racionalmente sempre que alguém não conhecido entrava porta adentro. Seria um novo cliente ou algum agente da PIDE para nos encomendar?»

Foi com base neste esquema, em que imperavam princípios de respeito e lealdade, que o meu pai com a cumplicidade do Senhor Carvalho, trabalhador da então Livraria Clássica Editora, nos Restauradores, junto ao edifício onde era o Cinema Eden, conseguiu, entre outros, adquirir a «Antologia de Poesia Portuguesa do Pás Guerra», organizada por Afonso Cautela e Serafim Ferreira, publicada pela Ulisseia na altura dirigida por Vitor Silva Tavares, «A Praça da Canção» de Manuel Alegre, editada também pela Ulisseia, e a Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, organizada por Natália Correia e editada pela Afrodite de Fernando Ribeiro de Melo, e que, em Junho de 1969, deu origem a um julgamento por, segundo a acusação,«algumas das poesias ou parte delas ofendem o pudor geral, a decência, a moralidade pública e os bons costumes.»

Diga-se que esta Antologia foi, no início deste mês, reeditada pela Ponto de Fuga de Vladimiro Nunes, mantém as ilustrações de Cruzeiro Seixas e também inclui o processo judicial que a sua publicação, no tempo da ditadura, provocou.

Certamente que a encontrarão à venda na Feira do Livro que hoje abriu taipais.

REVISÃO DA MATÉRIA DADA


Hoje, começa mais uma Feira do Livro.

 Chega-se a esta minha idade e existem na biblioteca livros comprados e ainda não lidos.

E há sempre o suave ímpeto de comprar mais livros.

A Feira do Livro é, acima de tudo, a lembrança daquela noite, em redor das taças de água do Rossio, em que o meu avô me comprou o primeiro livro de Emílio Salgari. Curiosamente não me inclinei para qualquer Sandokan, ou o Pirata Vermelho, antes Os Pescadores de Pérolas, sei lá bem porquê.

Depois, a pouco e pouco é que vieram os restantes salgaris que, continuo a considerar, na devida idade, um dos melhores estímulos para hábitos de leitura.

Já escrevi:  um dia emprestei a um primo meu – santa ingenuidade!... -  todos os livros que possuía de Emílio Salgari.

Passados uns tempos, quando os quiz de volta, fiquei a saber que tinham sido vendidos que redundaram, se para tanto chegaram, em rebuçados da bola e uma qualquer ida à matinée do Cine-Oriente.

Tenho por aí dois ou três exemplares adquiridos em alfarrabistas a preço baixo.

Um dia, num daqueles alfarrabistas que estacionam, nos sábados, na Rua Anchieta, ao Chiado, pediram-me uma exorbitância por Os Pescadores de Pérolas.

Fiquei a olhar assim um tanto para o surpreendido, mas o livreiro logo atalhou: «É pegar ou largar!».

Não gostei do preço e da fanfarronice e… «larguei.»

A Feira é um gosto muito meu.

Os livros, os jacarandás, o Tejo muito lá ao fundo.

terça-feira, 28 de maio de 2019

ANNE


Agora que Anne se foi
embora que olhos comparar
ao sol da manhã?

Não que os comparasse
outrora mas comparo-os agora
que ela se foi embora

Leonard Cohen em Filhos da Neve

SARAMAGUEANDO


Joaquim Vieira no seu Rota de Vida aborda a obra poética de José Saramago. Refere que o seu segundo livro de poesia, Provavelmente Alegria, não teve a mesma aceitação positiva que Os Poemas Possíveis.

Cita um artigo que António Ramos Rosa fez publicar na Colóquio nº 59 de Junho de 1970:

«Os limites bem visíveis da poética de José Saramago, em cujo léxico abundam termos como rosas, nardos, cristais, grinaldas, corais, estrelas, orvalho, não serão decerto os que se podem antever obrigatoriamente para uma linguagem de matizes e formas francamente clássicos, porquanto nos cabe, antes de qualquer reparo, declarar que muitos dos seus poemas, sobretudo em Poemas Possíveis, um belo livro de um poeta amadurecido, são de uma qualidade inegável que transcende e torna falsa qualquer discussão sobre a sua actualidade. Mas se esta justiça lhe prestamos, não podemos, por outro lado em daqueles mesmos valores que pressupõem «ritmo, segurança e consciência», como a sua «Arte Poética» requer, deixar de notar que existem neste seu livro fraquezas que o tornam inferior à sua primeira obra (…) De um modo geral, os poemas não atingem a densidade indispensável, dando a nítida sensação de facilidade de uma precipitação elocutória em que se chega ao verso final sem se ter captado algo de essencial, tudo se perdendo em palavras.»

DO BAÚ DOS POSTAIS


A Cristina e o Miguel, em Agosto do ano passado, estiveram de férias nos Estados Unidos. Trouxeram-me uma série de postais e outras recordações.
Comecei a apresentar o que tinha chegado mas, de repente, a minha vida sofreu um solavanco: tenho de prestar assistência à minha mãe: 97 anos e com Alzheimer.
É difícil, mas há que dar uma volta ao texto.
Principalmente, porque é lamentável não ter dado seguimento aos postais da América e não se pode pedir muito mais a Sammy.
Este postal é de St. Augustine na Florida.
O Miguel explica:
«Este postal da cidade mais antiga de todos os Estados Unidos. A primeira colónia espanhola, com a mais antiga escola feita de madeira.»

segunda-feira, 27 de maio de 2019

UM INTERESSE LIMITADO


E é por isso que, no fundo, não tenho por mim mesma mais do que um interesse limitado. Tenho a impressão de ser um instrumento através do qual passaram correntes, vibrações. Isto é válido para todos os meus livros e direi mesmo que para toda a minha vida. Talvez para todas as vidas; e os melhores de nós talvez não sejam, também eles, mais que cristais trespassados. Assim, a propósito dos meus amigos, vivos ou mortos, repito-me muitas vezes a frase admirável que me disseram ser de Saint-Martin, “o filósofo desconhecido” do século XVIII, tão desconhecido de mim que nunca li uma linha dele e nunca verifiquei a citação: “Há seres através dos quais Deus me amou.” Tudo vem de mais longe e vai mais longe que nós. Por outras palavras, tudo nos ultrapassa e sentimo-nos humildes e maravilhados por termos sido assim trespassados e ultrapassados.

Marguerite Yourcenar

Legenda: Marguerite Yourcenar

domingo, 26 de maio de 2019

POSTAIS SEM SELO


O viajante que olha para trás corre o sério perigo de que a sua sombra não queira segui-lo.

Nicanor Parra, poeta chileno. Citado por Gonçalo M. Tavares no jornal A Bola.

Legenda: não foi possível identificar o autor/origem da fotografia.

OLHARES


Fotografia de Jack Delano tirada do arquivo da Shorpy.
Outubro de 1940. Criança apanhando batatas numa fazenda grande perto de Caribou, Maine. As escolas não abriam na região enquanto houvesse batatas para apanhar.até que não haja mais batatas para apanhar.

1 – Contam  nas aldeias que o trabalho do menino é pouco mas quem o perde é louco.

2 – Foi Guillevic que disse: «Às vezes uma criança chora para o futuro.»

3- Preocupada com a situação dos pequenos trabalhadores ouviu o seu ministro Disraeli dizer: «Ainda pior para eles se não trabalhassem…»

4 - Perante as realidades que nos cercam sabemos quanto se torna difícil a aplicação das convenções mundiais que proíbem o trabalho dos menores antes das idades limites estabelecidas.

5 – Recebeu uma carta do irmão. Dizia para ele ir que lhe arranjara trabalho na cidade. Despediu-se dos pais, dos amigos. Apanhou o comboio e encostou-se a um canto da carruagem com o bilhete muito apertado na mão.
O irmão esperava-o e levou-o ao dono do café. onde lhe arranjara trabalho que disse:
- Ganharás 300 escudos e com as gorjetas verás que arranjas para aí 500 escudos por mês.
Os olhos brilharam nos seus 12 anos-muito-meninos.
Mais tarde, muito mais tarde, dirá: «Eu comecei a trabalhar aos 12 anos e cheguei onde vocês me vêem.

sábado, 25 de maio de 2019

AMANHÃ HÁ ELEIÇÕES


Amanhã há eleições.
Eleições para o Parlamento Europeu.
O tempo que faz é de quase Verão e a abstenção será elevada.
Os portugueses pouco ou nada sabem da Europa, também não querem saber.
Durante a campanha eleitoral discutiu-se tudo, menos a Europa.
Sempre que há eleições e, neste dia a que parvamente chamam de reflexão, recordo sempre aquele texto do Manuel Beça Múrias que foi crónica no semanário O Jornal:

«Este domingo, ao declarar o meu nome de cidadão que o 25 de Abril libertou, vou passar em revista, uma a uma, memórias das noites solitárias de Nambuanagongo, quando as hienas vinham ao arame, ao cheiro do coval fresco no cemitério sempre em crescimento.
Este domingo vou poisar com amor a minha mão no ombro do meu filho Pedro e garantir-lhe que o “Vera Cruz” está na sucata.
Este domingo, sim, este domingo, vou limpar na minha mesa o pó do quadrado onde antes esteve instalado o telefone que ditava as ordens do lápis azul, na voz baça do alferes Cirne.
Mas também, claro, este domingo o meu risco azul num quadrado inesperado, (mais “talvez” do que “sim”, mais “cabeça” que “coração”) não é assinatura reconhecida da minha desistência.
Porque, neste domingo, eu estarei de vigília pelas noites em que as Chaimites saíram à rua e as fardas se puseram, por um instante de História, sempre, sempre ao lado do povo.»

sexta-feira, 24 de maio de 2019

DA MEMÓRIA DE UM LARGO E DOS FUMOS QUE DEIXOU DE FREQUENTAR...


Na meia dúzia de blogues em que, com mais assiduidade, vai viajando, há um que frequenta desde tempos bem recuados: o Largo da Memória de Luís Eme, jornalista, escritor e guardador das margens do Tejo.

Começou pelo agrado das fotografias e acabou a gostar do que lá por se escrevia.

Quando fumava cachimbo, cigarrilhas e charutos, gostou de ter lido no Largo esta pérola. 

Não por picuinhice, mas por um certo rigor, lamenta ter perdido a data em que foi escrita:

«Nunca tinha ouvido um elogio tão forte e sentido, a um não fumador activo, pelos frequentadores do seu escritório.

Embora ele nunca fumasse, nunca proibiu ninguém de fumar no seu espaço de trabalho e local de abrigo e de escrita, nem mesmo depois das proibições oficiais e da "publicidade assassina" nos maços de cigarro.


Depois de escutar os amigos, quase sem jeito, desculpou-se que sempre gostou do cheiro do tabaco.


Mas do que ele gosta muito, muito mais do que do cheiro do tabaco, é da liberdade.»

Esse inebriante cheiro da liberdade.

Os fumos, os gins...

Rigorosas instruções médicas, não lhe permitem fumar o cachimbo, as cigarrilhas, os charutos. 

Tem dias, não muitos, em que não consegue resistir…

O Gainsbourg tem uma canção em que diz que Deus é um fumador de Havanos e o Eça de Queiroz em AIlustre Casa de Ramires tem esta tirada:

«Mas reparando que escolhera um charuto, distraidamente o trincara:
- Oh! Perdão, minha senhora… ia fumar sem saber se V. Exª…
Ela saudou descendo as longas pestanas:
- O cavalheiro pode fumar; o Sanches não fuma, mas eu até aprecio o cheiro»

O cheiro do charuto incomodava a mulher de Groucho Marx.
Um dia disse-lhe:
- Ou eu os charutos!...
- Então ficamos bons amigos!

Legenda: Edward G. Robinson no filme Key Largo, um delicioso filme negro de John Huston

quinta-feira, 23 de maio de 2019

POSTAIS SEM SELO


De nada adianta fugir para o outro lado do mundo, para viver debaixo do sol, porque a sombra estará sempre no nosso encalço.

Autor desconhecido

Legenda: fotografia de Tom Marchant

ETECETERA


Nasce uma igreja por mês em Portugal.
Em 15 anos, foram registadas 833 confissões religiosas. 97 surgiram nos últimos cinco anos.

1.

Esquecimento fatal em Baku. O judoca Anri Egutidze, representante de Portugal e candidato à vitória na categoria de 81 quilos na prova do Grand Slam, foi eliminado ao fim de 13 segundos quando, durante um movimento mútuo para derrubar o adversário, o telemóvel esquecido no quimono do judoca português caiu.

 2.

O primeiro-ministro israelita anunciou o início do processo para criar um novo colonato judaico no território sírio ocupado dos montes Golã, com o nome do Presidente dos EUA, que em Março reconheceu a soberania de Israel naquele território.

 3.

O trafulha Berardo disse na comissão de inquérito que lhe tinham pedido para ajudar os bancos.
Quando dava, como comentador, catequese aos domingos nas televisões, Marcelo Rebelo de Sousa, em 2007, elegeu Joe Berardo a figura do ano na economia portuguesa, pelo papel que tinha tido na definição do futuro do BCP.

4.

Quase cinco pessoas detidas por dia em processos de violência doméstica.
De 1 de Janeiro até 10 de Maio, a PSP deteve 247 pessoas e a GNR 382, mas o número final pode ser mais elevado.
Apesar das muitas detenções, a maioria dos inquéritos acaba arquivada. No ano passado, só 14,4% resultaram em acusação.

5.

Quase 1,8 milhões de portugueses estão em risco de pobreza e 17,3% da população, a maioria no norte e centro do país, sobrevivem com 467 euros por mês.

6.

Um homem de 32 anos morreu após ter sido esfaqueado no pescoço, na Praia da Rocha, depois de ter recusado dar um cigarro a outro homem.

7.

Tempos de crise.
Charo é uma prostituta amiga de Pepe Carvalho, detective dos romances de Manuel Vasquez Montálban.
Em Os Mares do Sul, Pepe pergunta a Charo:
- Como vai o negócio?
- Mal. Há uma concorrência tramada. Com isso da crise económica até as freiras se puseram a foder.                                   

AINDA DORIS DAY


No arquivo da Shorpy apanhei esta fotografia, autoria de Milton Greene,  Setembro de 1953, tirada durante as filmagens do filme musical Calamity Jane.

Miguel Esteves Cardoso, crónica do Público,  lembrou que é triste perceber que uma pessoa pode viver 97 anos sem jamais receber o reconhecimento que merece.

Manuel S. Fonseca, na sua página negra, chutou forte e colocado:

«Se eu tivesse sido do teu tempo – e que tempo foi o teu tempo, que de tão limpinho não foi tempo nenhum? – teria bebido copos cínicos com  esse Oscar Levant, actor, pianista, compositor de tão sardónico talento, que fui mesmo ver ao cemitério de Westwood, minha aldeia de Los Angeles, se ainda lá estava a campa em que o enterraram. Ele sim, insuportando (ou desconseguindo de suportar!) esse fulgurante brilho dos teus olhos, a esplêndida brancura dos teus dentes, as tuas saias rodadas a deixar ver a robusta e dourada meia perna, as tuas mamas firmes apontadas a um céu sem nuvens, ele, Oscar Levant,  imor­ta­li­zou-te com a doçura desta frase: “Conheci Doris Day antes dela se tor­nar virgem.”»

NESSE ANO E MÊS


Nesse ano e mês chamaram de Lisboa
era o pai de meu pai
morrendo velozmente ao telefone

eu ouvia os gritos baterem
nas portas da cristaleira

quis chamar Deus para convencê-lo
a suspender o voo
mas já ia longe para lá de Alfeizerão (1)

espero agora que a monotonia e a chuva
Tornem à minha vida

um pouco é de supor mais intrigante

(     (1)  – à velocidade soube depois/de 1.500 Match/como um relâmpago verde

Fernando Assis Pacheco em Variações em Sousa

Legenda: imagem Shorpy

quarta-feira, 22 de maio de 2019

POSTAIS SEM SELO


Nunca viajo sem o meu diá­rio. Uma pes­soa tem de ter alguma coisa sen­sa­ci­o­nal para ler no comboio.

Oscar Wilde

Legenda: Oscar Wilde

CHICO BUARQUE ENSINOU O QUÊ?


Quando recebi no telemóvel o alerta "Chico Buarque ganha o Prémio Camões" senti-me no direito de comemorar uma vitória: "ganhei eu, caramba, ganhei eu!".
Fui ler a notícia. Os seis membros do júri explicavam a razão desta atribuição do galardão literário pela "contribuição para a formação cultural de diferentes gerações em todos os países onde se fala a língua portuguesa".
E o que é que este português, de 55 anos, que escreve estas linhas, aprendeu com Chico Buarque?
Aos cinco anos de idade o meu corpo saltitava sempre que no rádio grande do meu pai soava "A Banda", a música que, quando passava, diz o verso final do refrão, ia "cantando coisas de amor". Chico Buarque impulsionou-me a dança.
Aos 10 anos de idade percebi como um indivíduo sozinho nada pode contra o cerco violento da indiferença. Bastou-me ouvir a história circular do operário de "Construção", que "morreu na contramão atrapalhando o sábado". Chico Buarque ensinou-me a identificar a injustiça social.
Aos 11 anos de idade percebi a inutilidade da divindade quando o coro masculino MPB4 repetia, em Partido Alto, "Diz que Deus dará/ Não vou duvidar, ô nega/E se Deus não dá?/Como é que vai ficar, ô nega?". Chico Buarque deu-me razões para ser ateu.
Aos 12 anos de idade intui, com os versos de Fado Tropical, como a brutalidade da colonização sangrou a pele dos povos e como as cicatrizes prevalecentes demoram séculos a fechar: "E o rio Amazonas/Que corre Trás-os-montes/E numa pororoca/Desagua no Tejo/Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal/Ainda vai tornar-se um Império Colonial". Chico Buarque ofereceu-me uma identidade, um medo e uma esperança na Lusofonia.
Aos 13 anos de idade percebi, pela letra do pseudónimo Julinho da Adelaide (um autor inventado, usado para ludibriar a censura da ditadura brasileira, que até falsas entrevistas deu aos jornais...), que confiar na polícia pode ser perigoso, como constata "Acorda amor": "Tem gente já no vão de escada/Fazendo confusão, que aflição/São os homens/E eu aqui parado de pijama/Eu não gosto de passar vexame/Chame, chame, chame, chame o ladrão, chame o ladrão". Com Chico Buarque descobri que, às vezes, está tudo certo se se ficar do lado errado.
Aos 14 anos de idade conspirei o sentido da canção "O que será (à flor da pele)": "Será, que será?/O que não tem decência nem nunca terá/O que não tem censura nem nunca terá/O que não faz sentido..." Chico Buarque revelou-me o secreto significado da palavra "liberdade".
Aos 15 anos de idade compreendi, ao ouvir "Mulheres de Atenas", que a minha mãe, a minha irmã e a minha namorada viviam num mundo pior do que o meu: "Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas/Geram pro seus maridos os novos filhos de Atenas/Elas não têm gosto ou vontade/Nem defeito nem qualidade/Têm medo apenas". Chico Buarque justificou-me o feminismo.
Aos 16 anos de idade espantei-me com o atrevimento de "O Meu Amor". "Eu sou sua menina, viu?/E ele é o meu rapaz/Meu corpo é testemunha/Do bem que ele me faz". Chico Buarque fez-me entender como o sexo pode, ou não, fazer um par com a palavra afeto.
Aos 17 anos comovi-me com "Geni", a prostituta que salva a cidade mas que a cidade despreza: "Joga pedra na Geni!/Joga bosta na Geni!/Ela é feita pra apanhar!/Ela é boa de cuspir!/Ela dá pra qualquer um/Maldita Geni!". Chico Buarque confrontou-me com a dignidade dos indignos.
Aos 18 anos de idade a história de "O Malandro" exemplificou-me como é sempre o mexilhão que se lixa: um tipo que foge de um tasco sem pagar a cachaça que bebeu provoca uma crise mundial. Mas, no final das crises, há sempre um bode expiatório: "O garçom vê/Um malandro/Sai gritando/Pega ladrão/E o malandro/Autuado/É julgado e condenado culpado/Pela situação". Chico Buarque antecipou-me a globalização e fez de mim um comunista.
Aqueles anos foram os tempos do meu caminho até à chegada à idade adulta, uma época anterior aos romances que Chico Buarque escreveu e que completam, com a verdadeira poesia de muitas das suas canções, um currículo mais do que suficiente para a atribuição do mais importante prémio literário em Língua Portuguesa.
Aqueles anos foram os tempos que moldaram o meu carácter.
Aqueles foram os tempos que moldaram o carácter de tantos outros e de tantas outras que, como eu, cresceram a ouvir estas canções mas que entenderam nelas tantas coisas que eu não entendi, que compreenderam nelas tantas coisas que eu não percebi, que tiraram conclusões destes textos muito diferentes das que eu tirei.
Mas, tenho a certeza, apesar de pensarem e sentirem de maneiras tão diferentes da minha, ontem, milhões de vós, ao saberem da notícia do Prémio Camões atribuído a Chico Buarque, tiveram o mesmo impulso que eu e comemoram: "ganhei eu, caramba, ganhei eu!".

Pedro Tadeu no Diário de Notícais

SARAVÁ; CHICO!


Chico Buarque de Holanda venceu o Prémio Camões 2018.

OLHAR AS CAPAS


A Última Chamada

Hartley Howard
Tradução: Mascarenhas Barreto
Capa: Lima de freitas
Colecção Vampiro nº 171

Se a minha opinião tem algum valor, saibam que não acredito em coincidências. Tenho viajado muito e visto muita coisa estranha. Na minha profissão não se pode deixar de lidar com uma variedade de pessoas desagradáveis, tanto dum sexo como doutro, que são apenas oportunistas e pouco lhes importa que o vizinho esteja em maus lençóis, contando que se sintam bem.

terça-feira, 21 de maio de 2019

A CASA


Entre o empedrado e a casa
não existe jardim
e tens de descer dois degraus
antes de encontrares a porta.
Cerrada e com dois batentes.
Aproxima a mão da gárgula esquerda.
O tempo passará sem que nada aconteça.
Debaixo de um vaso de begónias,
a chave.
Ainda assim terás de fazer força
com o ombro esquerdo
contra a madeira de carvalho.
Não esperes, porém que esse ruído
desperte qualquer lembrança,
em ti ou na casa.
Há mais de trinta anos que ninguém
aqui entra.
Apenas tu guardavas a memória,
sem o saber, este caminho.
Depois de teres atravessado escarpas,
florestas de enganos, desertos,
hoje o regresso?
Com palavras e prolongados silêncios
talvez o descubras.
Um conselho de amigo: ao entrares
não chames, não perguntes
ou digas o nome
de alguém.
Esta é a casa
que nalgum lugar da terra
te está destinada.
Senta-te à mesa com os mortos e escreve.

Jorge Gomes Miranda

Legenda: ilustração de Morten Morland

segunda-feira, 20 de maio de 2019

DARÁ PARA ACREDITAR?


O acordo ortográfico de 1990 foi uma decisão política cometida por gente que nem português sabe falar e escrever.

Que esses políticos, e quem os apoiou, tenham cometido o supremo disparate, crime é a palavra exacta, é uma coisa, que jornais e jornalistas, editores e escritores, professores e demais gentes, lhes tenham seguido os passos é que me dana, me deixa terrivelmente chateado, triste, mesmo.

O disparate nunca chegou a ser ratificado por Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Timor Leste. Soube-se  agora que o Brasil de Bolsonaro – ao que chegámos!!! – o quer mandar borda fora.
Esta notícia do Expresso deixa leve a esperança que algo, por aqui, se transforme numa boia de salvação.

domingo, 19 de maio de 2019

QUOTIDIANOS


Leio nos jornais que os partidos perdoam ao Patriarcado de Lisboa o apelo ao voto na Direita.
Ninguém lhes devia perdoar.
Porque eles sabem o que fazem!

METÁFORA


Escolho o silêncio assunto antigo para
falar deste domingo: descrevê-los
o silêncio o domingo será como
falar da escuridão e que metáfora
mais certa se as há certas, para a ínfima
luz própria metafórica do dia

A tua voz então vem como nave
a si mesma sulcar-se, na penumbra
tornando-se, não sei se mais igual
ou mais diversa do escuro sentido
do sentido, o tema interrompendo
do poema: o silêncio o domingo

Gastão Cruz

Legenda: imagem de Brent Benger

sábado, 18 de maio de 2019

SLB


«Que seja a reconquista do bom futebol e das boas maneiras»

Tão bonito saber que à frente de um clube está um treinador civilizado.
Que sabe, e quer que todos saibam, que um jogo de futebol não é mais que um jogo de futebol, um divertimento e que há coisas bem mais importantes na nossa sociedade, nas nossas vidas.

sexta-feira, 17 de maio de 2019

POSTAIS SEM SELO


Um dia deixei de ir à missa. O sol estava a nascer, e era tão bonito, e eu disse à pessoa que estava comigo: «Fico aqui a ver o sol.»

Lourdes Castro

PRAZERES


Teria para aí os meus 16 anos quando bebi o meu primeiro gin-tónic.
Na inauguração, no Largo da Graça, da delegação do Banco Português do Atlântico.
Estava com o meu pai e lembro-me de um criado, chegar ao pé de mim, com uma bandeja na mão onde estavam copos com um líquido esbranquiçado, gelo e uma rodela de limão. Imaginei serem limonadas. Era gin-tonic. Bebi e fiquei cliente.
Um dia, conheci o Mário-Henrique Leiria, li os Contos do Gin-Tonic, e se já interiorizara que o gin-tonic é a melhor bebida do mundo, dúvidas deixaram de existir.
Diz o Joe Could que o gin liga a bomba da memória e um velho slogan publicitário do gin «Tanqueray» conta que as histórias românticas de um bêbado são mais credíveis se vierem de alguém que andou a beber gin «Tanqueray».
Passados uns 60 anos pela inauguração da delegação bancária, acordo pelas manhãs a saber que o fígado já não pode pacificamente com o gin-tonic.
E tão amigos que eles eram!
Há uma velha canção do Cole Porter, «Two Little Babes in the Wood», em que se ouve:
«Descobriram que a fonte da juventude é uma mistura de gin e vermute.»

Legenda: imagem de um gin vermute.

OLHARES


Refugiados da II Guerra Mundial em Portugal.
Muitos destes refugiados conseguiram chegar a Portugal mercê de vistos passados por Aristides Sousa Mendes, contrariando ordens expressas de Salazar e da PVDE.
Portugal era um país de trãnsito, trânsito para a América, quer por via marítima, quer por via aérea.
Estima-se que quarenta mil refugiados viveram por alguns dias, outros alguns meses. em Portugal.

Recorda-se o diálogo, no findar do filme Casablanca:

Capitão Renault: O avião para Lisboa. Gostava de ir nele?
Rick: Porquê? O que há em Lisboa?
Capitão Renault: Aviões para a América.

Ou o livro Uma Noite em Lisboa de Erich Maria Remarque:

Demorei-me a olhar fixamente para o navio. Profusamente iluminado, o barco aguardava fundeado no Tejo. Embora estivesse em Lisboa há já uma semana, ainda não me habituara à sua iluminação exuberante. Nos países por onde anteriormente passara, à noite as cidades jaziam escuras como minas de carvão, e uma lanterna nas trevas era mais temível do que a peste na Idade Média. Eu vinha da Europa do século vinte.
A embarcação era um navio de passageiros; estava a receber carga. Eu sabia que o barco tinha partida marcada para a tarde do dia seguinte. À luz crua das Lâmpadas despidas, caixotes de carne, peixe, conservas, pão e legumes iam sendo acamados no porão; os estivadores levavam bagagens para bordo, levantando grades e fardos tão silenciosamente como se nada pesassem. O navio estava a ser preparado para uma travessia – como a arca no tempo do dilúvio. Era uma arca. Cada navio que deixava a Europa naqueles meses de 1942 era uma arca. A América era o Monte Ararat e o nível das águas enchentes aumentava de dia para dia. Há muito que tinham submergido a Alemanha e a Áustria, alagavam agora A Polónia e Praga; Amesterdão, Bruxelas, Copenhaga, Oslo e Paris haviam já sido inundadas, as cidades de Itália tresandavam de infiltração e nem a Espanha estava a salvo. A costa portuguesa tornara-se na última esperança dos fugitivos para quem a justiça, a liberdade e a tolerância eram mais importantes do que a pátria e os meios de subsistência. Portugal era uma ponte para a América. Quem não conseguisse alcançá-la, estava perdido, condenado à morte lenta num dédalo de consulados, esquadras de Polícia e repartições públicas, onde os vistos eram sempre recusados e as licenças de trabalho e residência impossíveis de se obter, uma selva de campos de internamento, pesadelos burocráticos, solidão e saudade onde se definhava perante a indiferença generalizada. Como é habitual em tempos de guerra, medo e sofrimento, o indivíduo deixava de existir como ser humano; só uma coisa importava: possuir um passaporte válido

quinta-feira, 16 de maio de 2019

SABEDORIAS


Na página 109 de Os Cães Ladram de Truman Capote, algo que muitas vezes ouvia ao meu pai:

«Si jeunesse savait, si vieillesse pouvait.»

Uma verdade tão grande, a lei da vida: se a juventude soubesse, se a velhice pudesse.

OLHARES


Novembro de 1961, uma fotografia tirada do arquivo da Shorpy e da autoria de Michael Vaccaro, e em que Sophia Loren posa, com uma estola, para a revista Look.
Passei parte da minha vida a ler anúncios em que Sophia dizia dever toda a sua beleza ao Sabonete Lux.
Estive quase a deixar de usar Feno de Portugal, que era o sabonete que desde tenríssima idade foi o meu sabonete, mas consegui resistir.
Hoje,com 85 anos,Sphia Loren continua uma mulher bem interessante.
Candidamente disse, um dia, aos jornalistas:
«Tudo o que vêem devo ao macarrão, além de banhos com azeite de oliva.»
E pronto, lá ficou o sabonete Lux no esquecimento!
Em Maio de 2007, o Napóles, seu clube de coração, estava em terceiro lugar, tinha ainda cinco jogos pela frente e a bela Sophia disse à Gazzetta dello Sport:
«Se forem para a série A faço um striptease».
E o Nápoles, que venceu pela primeira vez o campeonato italiano quando por lá passou Diego Maradona, subiu mesmo à série A.
Pela promessa de Sophia?
Acredite quem quiser.
Apesar de algumas buscas, não consegui confirmar se Sophia cumpriu a sagrada promessa feita aos jogadores do Nápoles.