segunda-feira, 13 de maio de 2013
OLHAR AS CAPAS
Os Cães Ladram
Truman Capote
Tradução: Margarida Vale de gato
Capa: Fernando Mateus
Relógio d’Água, Lisboa Julho de 2002
Certa manhã — julgo que era Dezembro, um domingo frio com um sol cinzento e triste — subi o bairro até ao velho mercado onde, nessa altura do ano, se encontram delicados frutos de Inverno, tangerinas doces, a vinte cêntimos a dúzia, e flores de inverno, poinsetias e camélias brancas. As ruas de Nova Orleães têm perspectivas compridas e solitárias; nas horas mortas o seu ambiente faz lembrar Chirico, e as coisas inocentes (um rosto por trás da luz entrecortada de uns estores, freiras caminhando ao longe, um braço gordo e escuro balouçando languidamente de uma janela, um rapaz negro agachado sozinho num beco, soprando bolas de sabão e observando tristemente a sua ascenção e explosão) adquirem geralmente contornos de violência. Nessa manhã, dizia, detive-me no meio de um quarteirão, porque me apercebera pelo canto do olho, de um túnel, de um jardim deixado ao abandono. Um cão de caça branco com um aspecto alucinado permanecia hirto na luz verde da relva que brilhava no fim do túnel e, compulsivamente, virei nessa direcção. Lá dentro havia uma fonte, a água jorrava delicadamente da boca de bronze da estátua de um macaco e produzia sons de sinos desolados em charcos de seixos. Pendia de um salgueiro: um homem com ar de bandido e cabelo platinado, artificial; pendia tão frouxamente como o próprio salgueiro. Havia terror naquele jardim sufocado e silencioso. As janelas fechadas espreitavam às cegas; as babas dos caracóis cintilavam, prateadas, sobre inhames, nada se mexia a não ser a sua sombra. Balouçava levemente, para trás e para a frente, e todavia não havia vento. Tinha um anel com um diamante de imitação que luzia ao sol, e no seu braço a tatuagem de um nome, «Francy». O cão baixou a cabeça para beber da fonte, e eu larguei a correr. Francy — teria sido por ela que se matara? Não sei. N. O. (noca Orleães) é um lugar secreto.
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