De vez em quando pedem-me para falar de Augusto
Cabrita. É claro que não enjeito o serviço, mas depois fico por aqui, aflito,
até à última hora do último dia do prazo, a tentar ser digno da sua memória, na
esperança sempre frustrada de superar a minha pequenez para poder atingir a sua
grandeza.
Hoje, também não é excepção. Olho à volta as mil recordações dele que perduram nesta casa, e a dor violenta de o ter perdido volta com a intensidade de sempre ao meu coração. Se não fosse a esperança de saber merecer a honra da sua amizade desistia agora mesmo.
Assim, sem recurso e sem talento, sem ofício de escrita que justifique a pretensão para falar de um génio, neste caso do homem que foi conhecido e reconhecido como o maior fotógrafo português, do artista que deslumbrou todos como cineasta, do senhor culto que escreveu admiráveis lições de ternura pelo mundo, resta-me apenas deixar aqui expresso o testemunho da primeira lição e recordação fantástica do dia em que o conheci.
Era um dia de Verão, no Alentejo. Calor insuportável. Inauguração típica do regime. Eu, jovem repórter à procura de postura no meio de uma multidão de gente. Num "ponto" sempre diferente de todos os outros, um cameraman empunhava uma Paillard Bollex 16 mm com uma emoção como nunca tinha visto. Contas feitas às minhas referências de novato, cedo concluí que estava perto do homem cuja obra admirava profundamente: O Augusto Cabrita.
Almoçámos juntos, e estabelecemos de imediato uma amizade que não teve fim. Ficámos a conversar o resto do dia e ao fim da tarde, na despedida, perguntei-lhe: Mestre, qual é o segredo? O Augusto deu-me a primeira lição: Primeiro, é preciso saber olhar, depois é preciso uma tensão sobre o acontecimento. A fotografia acontece quando a vida fica suspensa e eterna.
Depois de este mágico dia da minha vida passaram-se muitos anos. O Augusto ficou para sempre a maior referência da minha profissão e o meu melhor amigo.
Ensinou-me a olhar, mas não me ensinou a viver com a saudade e a tristeza que o seu desaparecimento deixou na minha vida
.
António Homem Cardoso, depoimento no Catálogoda Retrospectiva de Augusto Cabrita.
Legenda: Populares vèem televisão, finais nos anos
50, no estabelecimento do Calçada, na Rua Eusébio Leão, esquina com a Rua
Futebol Clube Barreirense, fotografia de Augusto Cabrita.
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