Os fotógrafos são poetas da imagem. Assim, sou de
opinião que, sendo um país de bons poetas, também somos um país de excelentes
fotógrafos. Tinha que ser.
Quando miúdo, vivendo no Barreiro, volta e meia tinha de ir tirar as tais fotografias tipo passe. Não tinha escolha de fotógrafo. A família toda recorria a um que tinha estabelecimento montado, pertinho de casa, junto à Sociedade Os Penicheiros. Questões de amizade (o meu tio era íntimo amigo da casa). Eu lá ia, tinha que ser, molhando constantemente a mão para a passar pelo remoinho no cabelo para ficar menos mal no retrato. Sempre enfadado com os preparos das poses. Que, depois, compensava nas miradas narcisistas sobre a obra feita em que servira de modelo e em que achava que tinha ficado bem, tirando é claro os defeitos congénitos sem emenda o remoinho que não vergava (em solidariedade com a rebeldia de trato) e as orelhas espetadas, tipo abano, que os puxões de reprimendas por maldades infantis iam acentuando com o passar do tempo.
O fotógrafo era o Senhor Cabrita. Tratava-me simpaticamente, olhar cheio e límpido, procurando pôr-me à vontade, trocando impressões sobre como iam as coisas no nosso Barreirense. Essa paixão pelo mesmo clube de coração fazia ponte entre gerações ou o quer que fosse e era mezinha para construir uma rápida amizade.
(Na altura, dois quaisquer barreirenses de cepa tinham, pelo menos, quatro ódios verdes em comum: o Desportivo da CUF - o clube do Patrão; o Sporting -o clube da Legião; a GNR - a opressão visível na Vila; a Legião Portuguesa - o braço do Salazar. E o Barreirense era, então, o único expediente consentido para se andar com uma bandeira vermelha na mão.)
Ele era um homem culto, de riso aberto e com um olhar que se via que estava para além do pequeno estabelecimento onde ganhava a vida. Enquanto vivi no Barreiro, nunca recorri a outro fotógrafo que não fosse o Senhor Cabrita.
Mais tarde, o Senhor Cabrita (melhor dizendo - Augusto Cabrita) (com o devido respeito Mestre Augusto Cabrita), galgou espaços para além da sua lojeca e do mundo das fotografias tipo passe, desatou a fotografar por aí fora, tornou-se reconhecido, começou a recolher prémios e a tornar-se famoso. Fez nome no cinema (no Belarmino do Fernando Lopes) e na televisão através de inúmeras reportagens. Fotografou o Barreiro e as suas gentes, que ele amou bem do fundo, só reconhecível hoje através das suas geniais fotografias. De fotógrafo passou a Artista. De Artista a Génio. Por exemplo, os rostos de Amália e de Carlos Paredes só se entendem como rostos, olhando estes monstros da música através das fotografias de Mestre Augusto Cabrita (talvez porque, além da fotografia, ele cultivasse a música de piano). Foi, apenas, um dos melhores fotógrafos portugueses de todos os tempos. O Maior, segreda-me, em reprimenda, a emoção dos meus afectos. Mas, neste caso, o afecto não exagera, apenas sublinha.
Por tudo isto, recomendo a Mestre Augusto Cabrita.
Quando miúdo, vivendo no Barreiro, volta e meia tinha de ir tirar as tais fotografias tipo passe. Não tinha escolha de fotógrafo. A família toda recorria a um que tinha estabelecimento montado, pertinho de casa, junto à Sociedade Os Penicheiros. Questões de amizade (o meu tio era íntimo amigo da casa). Eu lá ia, tinha que ser, molhando constantemente a mão para a passar pelo remoinho no cabelo para ficar menos mal no retrato. Sempre enfadado com os preparos das poses. Que, depois, compensava nas miradas narcisistas sobre a obra feita em que servira de modelo e em que achava que tinha ficado bem, tirando é claro os defeitos congénitos sem emenda o remoinho que não vergava (em solidariedade com a rebeldia de trato) e as orelhas espetadas, tipo abano, que os puxões de reprimendas por maldades infantis iam acentuando com o passar do tempo.
O fotógrafo era o Senhor Cabrita. Tratava-me simpaticamente, olhar cheio e límpido, procurando pôr-me à vontade, trocando impressões sobre como iam as coisas no nosso Barreirense. Essa paixão pelo mesmo clube de coração fazia ponte entre gerações ou o quer que fosse e era mezinha para construir uma rápida amizade.
(Na altura, dois quaisquer barreirenses de cepa tinham, pelo menos, quatro ódios verdes em comum: o Desportivo da CUF - o clube do Patrão; o Sporting -o clube da Legião; a GNR - a opressão visível na Vila; a Legião Portuguesa - o braço do Salazar. E o Barreirense era, então, o único expediente consentido para se andar com uma bandeira vermelha na mão.)
Ele era um homem culto, de riso aberto e com um olhar que se via que estava para além do pequeno estabelecimento onde ganhava a vida. Enquanto vivi no Barreiro, nunca recorri a outro fotógrafo que não fosse o Senhor Cabrita.
Mais tarde, o Senhor Cabrita (melhor dizendo - Augusto Cabrita) (com o devido respeito Mestre Augusto Cabrita), galgou espaços para além da sua lojeca e do mundo das fotografias tipo passe, desatou a fotografar por aí fora, tornou-se reconhecido, começou a recolher prémios e a tornar-se famoso. Fez nome no cinema (no Belarmino do Fernando Lopes) e na televisão através de inúmeras reportagens. Fotografou o Barreiro e as suas gentes, que ele amou bem do fundo, só reconhecível hoje através das suas geniais fotografias. De fotógrafo passou a Artista. De Artista a Génio. Por exemplo, os rostos de Amália e de Carlos Paredes só se entendem como rostos, olhando estes monstros da música através das fotografias de Mestre Augusto Cabrita (talvez porque, além da fotografia, ele cultivasse a música de piano). Foi, apenas, um dos melhores fotógrafos portugueses de todos os tempos. O Maior, segreda-me, em reprimenda, a emoção dos meus afectos. Mas, neste caso, o afecto não exagera, apenas sublinha.
Por tudo isto, recomendo a Mestre Augusto Cabrita.
Texto retirado de Água Lisa, o blogue de João Tunes
Legenda: No Clube Naval, a prancha de saltos.
Fotografia retirada do catálogo da Retrospectiva de Augusto Cabrita.
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