O meu pai não era um melómano
.
Muito menos o sou e apenas o Mário chega a atingir o
patamar da melomania.
A mãe, em devido tempo, colocou-o nas mãos da Dona
Irene para lições de piano, mais tarde, muito mais tarde, andou pela guitarra
clássica, para voltar, há meia dúzia de anos, ao piano.
Há bichinhos que ficam a morder por dentro e há que
lhes abrir porta de saída.
O meu pai limitava-se a adquirir as peças por puro
gosto musical mas, em alguns casos, a política também o levava a adquirir os discos.
Tempo para invocar Tchaikovsky.
Quando o tempo era muito mais lento, a oferta
musical de discos de música clássica, em vinil, era limitada e a Amazon
ainda era um vago sonho na cabeça de alguém.
O advento dos Cds trouxe o que dantes se procurava
e não encontrávamos.
Recordo-me de uma ou duas conversas sobre Shostakovich,
do desejo que exprimia em ter a sua 7ª Sinfonia, Leningrad.
Não sei se alguma vez a ouviu quando, madrugada
dentro, passava horas à procura de estações de rádio europeias.
Por mim falando, só há coisa de dois anos, graças a
uma natalícia oferta do Mário, a conheci.
Coloco de lado a carga política da sinfonia,
dedicada por Shostakovich às vítimas de Estalinegrado durante o cerco da
Alemanha Nazi, em 1942, para dizer - dizer
o quê? - que fiquei surpreendido,
agradado, que senti uma alegria que começa e acaba no inexplicável.
E lamentar que, por desconfianças muito minhas, não
a tenha ouvido mais cedo.
É bem provável que o meu pai, marxista-leninista que
era, soubesse que Álvaro Cunhal reconhecia uma força artística, única a esta
sinfonia, que era uma das suas peças sinfónicas preferida.
Não foi possível encontrá-la.
Mas estamos agora a ouvi-la.
Privilégios de quem gosta de sonhar que as coisas
sejam assim…
Ou como diz o cego do costume: é preciso ousar ser ingénuo.
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