sábado, 11 de maio de 2013
O HOMEM E O MITO
Para uns, Satanás com a sua inteligência e perfídia; para outros um S. Miguel Arcanjo de cabeleira branca, e olhos chispando das compridas e fartas sobrancelhas, descido do céu para libertar os humilhados e ofendidos das garras do dragão, para outros ainda, Saturno que continuamente devora os seus filhos. No fim de contas, é afinal um homem profundamente envolvido nas lutas e sofrimentos deste século e transfigurado pelo mito.
(...)
Na Fortaleza de Peniche onde o retiveram durante perto de três anos, desenhou camponeses, o jogo da pela e o largo, estudou e discutiu em conversas vigiadas e cifradas, escreveu ensaios de história, de crítica e teoria literária, leu e discutiu "Cinco Dias Cinco Noites e "A Mulher do Lenço Preto". No entanto, na cela de paredes nuas, com balde e com cama, não podia sentar-se ou nela escrever, os livros entravam revistados e a conta gotas e só mediante a devolução dos anteriores; as revistas frequentes e de surpresa à cela engorduravam os ânimos e os papéis.
Para justificar a derrota, pintaram um submarino russo inexistente que o teria auxiliado na fuga da fortaleza de Peniche a 3 de Janeiro de 1960 mas os fugitivos desceram afinal a muralha por lençóis rasgados e a coberto da noite, no silêncio cúmplice e depois no riso aberto das mulheres e do largo.
António Borges Coelho, de um depoimento para a série Portugal Século XX, 50 Rostos Para Uma Identidade publicada pelo Público Magazine.
A serigrafia é de Leonel Moura e é retirada da mesma série..
O depoimento de António Borges Coelho consta do Público de 5 de Maio de 1966.
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