quinta-feira, 16 de maio de 2013

OLHAR AS CAPAS


Fora de Horas

Paulo Castilho
Capa: Carlos Ferreira
Contexto Editora, Lisboa 1990

Que não me queixe portanto de o encontrar – o futuro - juncado agora de indesejados detritos. Mas descobri talvez algumas coisas. Como, por exemplo, que em última análise tudo se paga. Um preço para todas as coisas. Reagan Thatcher, Friedman, mais a gloriosa década de oitenta. Lucro, produtividade, eficiência. Egoísmo erigido em virtude. Desprezo pelo que ostente como valor acrescentado penas uma não contabilizável vibração humana. Valor acrescentado: o servo sucumbindo à linguagem dos senhores. Causas perdidas. Gestos inúteis para cumprir um princípio. Cargas da brigada do espírito. Cadáveres relegados para os dejectos esquecidos da História. Por agora, que o futuro tem inesperadas formas de se vingar. Nasci para a ética nos anos 60. O homem. A libertação. A moral. Jamais poderei, na verdade acreditar em outra razão. Uma limitação que me imponho. Que quero impor-me. E se tivessem razão, eles, hão-de tê-la como um cataclismo tem razão. Por mim, fico com a solidão dos meus erros. Com a lucidez que paralisa. Com a memória de um tempo de graça. Não falo de religião: mas atravessei um tempo de graça. Que se dissipou. Ou que eu dissipei. Não sei quando, nem como, nem porquê. Foi simplesmente assim: um dia constatei que a graça, a magia, talvez também o tudo ser possível – não eram mais.

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