segunda-feira, 27 de maio de 2013

CEM ANOS SOBRE A MORTE DE AQUILINO


 Quem hoje lê Aquilino?

Tentei, mas reconheço que não fui muito além.

Talvez mais tarde, ia pensando.

Não aconteceu bem assim.

A transladação dos restos mortais de Aquilino Ribeiro para o Panteão Nacional (Setembro de 2007) não foi consensual. Uns quantos vieram dizer que Aquilino não merecia estar no Panteão por ter sido um terrorista que esteve envolvido na organização do atentado que matou o rei D. Carlos e outros porque a obra de Aquilino não tem valor para que lhe seja reconhecida a honraria de entrar no Panteão. Lembro que Vasco Pulido Valente, no Público, bolsou uma das suas idiotices: Aquilino é um escritor medíocre”.

Por esse tempo, lembro-me de ter concluído comigo mesmo que, do princípio ao fim, apenas lera um livro de Aquilino: Quando os Lobos Uivam.

Há diversos livros de Aquilino que vieram da casa do meu pai.

Mas lembro-me que o único livro de Aquilino que comprei foi A Casa Grande Romarigães.

A lápis, no canto superior direito da 1º página, o livreiro escreveu: 45$00. Mas não passei da página 54. Sei isto porque, naquele tempo, os livros não se vendiam com as folhas guilhotinadas, tinham de ser abertos com uma faca (De repente senti saudade da velha ferramenta do jovem leitor que fui. A faca de papel. A ferramenta fora de uso morre. A faca de papel, belo objecto, está a desaparecer. E com ele talvez certa leitura via Jorge Listopad emSecos e Molhados) e a minha tarefa ficou-se por essa página. Havia quem comprasse os livros e os abrisse de uma vez só. Eu gostava de ir abrindo à medida que os ia lendo.
Terá sido a velha história: chateei-me de ler tanta palavra que desconhecia, e, numa de preguiça literária, cansei-me da necessidade de tanto ter que pegar no Dicionário.

Tem um bonito começo:

O Vento, que é um pincha-no-crivo devasso e curioso, penetrou na camarata, bufou, deu um abanão. O estarim parecia deserto. Não senhor, alguém dormia meio encurvado, cabeça para fora no seu decúbito, que se agitou molemente. Volveu a soprar. Buliu-lhe a veste, deu mesmo um estalido em sua tela semi-rígida e imobilizou-se. Outro sopro. Desta vez o pinhão, como um pretinho da Guiné de tanga a esvoaçar, liberou-se da cela e pulou no espaço. Que pára-quedista!

Voltei hoje a pegar no livro.

Lá estão, ainda, as páginas por abrir.

Dei um salto ao fim do livro, terno final:

É pena que se não possa regular a vida como um relógio, andando com os ponteiros para diante e para trás segundo a nossa conveniência. Como eu faria da Quinta do Amparo um jardim maravilhosos, a minha instância de contemptor do Mundo, e de Nossa Senhora, esta doce imagem de faces bochechudinhas, minha amiga do coração?! A Primavera, tantas vezes rebelde ao calendário, rejuvenesce tudo menos o homem. As leis da ciclidade física assim o mandam. Para o ano, por esta altura, voltarão as aves a cantar. Que chova, que faça um sol radioso, com o mundo vegetal pletórico de seiva ou mais aganado, à triste planta humana é que nada a afasta da sua carreira para a morte. Será ela a obra-prima da Criação ou a pior de todas?

Vou abrir o resto do livro e lê-lo.

Os olhos também são outros… e é sempre tempo…

Mas quem hoje lê Aquilino Ribeiro?

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