terça-feira, 27 de junho de 2017

SAUDADES DE SALGARI


Sempre que, em cada ano, visito a Feira do Livro, lembro o primeiro livro de Emilio Salgari que o meu avô me comprou, dizendo-me para escolher um: Os Pescadores de Pérolas.

Plantava-se, então, a Feira do Livro em redor das taças de água do Rossio.

Lembro-me que custou oito escudos, qualquer coisa como, ao câmbio dos dias de hoje, 0,04 euros.

Em prosa atrás colocada, também disse que só depois vieram os sandokas, os corsários negro e vermelho, o Capitão Morgan, tantos outros.

Como prometera, ficam aqui as capas dos únicos livros de Salgari que possuo, comprados num alfarrabista-vão-de-escada a preço confortável.

Sim, porque os outros alfarrabistas sabem o que vendem e o seu valor.

Outras histórias.

Emílio Salgari nasceu em Verona a 21 de Agosto de 1862.

Não se sabe ao certo quantos livros escreveu. Admite-se que ultrapasse as duas centenas. Em Portugal a João Romano Torres, casa fundada em 1885 com sede na Rua Alexandre Herculano nº 70 a 76, publicou 150.

Pensei até certo momento que esses livros eram o resultado de inúmeras viagens feitas pelo mundo e em que dissertava sobre a fauna e a flora das regiões onde se desenrolava a acção, fosse na Malásia,n o Bornéu, nas Caraíbas e até no Farwest americano.

Mas não!

Em toda a sua vida realizou apenas uma viagem no mar Adriático, na costa oriental italiana, quando frequentou, um curso para capitão da marinha e em que acabou por reprovar.

Os livros, escreveu-os sem sair do seu quarto, servindo-se de relatos e leituras de outros viajantes e aventureiros, enciclopédias, também das leituras de livros de vários autores e toda a sorte de assuntos, sendo o mais recorrente Júlio Verne.

A tudo isso juntava a sua fértil imaginação.

Não resisto à tentação de transcrever o começo de A Noiva do Corsário Negro:

O célebre mar da Caraíbas, açoitado pelo temporal, rugia furiosos, projectando verdadeiras catadupas de água contra os molhes de Porto Limão, costas da Nicarágua e da Costa Rica.
O sol estava no ocaso e as trevas caíam rapidamente como se tivessem pressa de ocultar a tremenda luta travada entre a terra e o céu.
Ainda não chovia, mas não devia tardar e por isso os habitantes se tinham apressado a abandonar as ruas da cidadela e o pequeno porto, refugiando-se nas suas casas.

Também o começo de Sandokan Vence o “Tigre da Índia”:

Na manhã de 20 de Abril de 1857, o faroleiro de Diamind-Harbour assinalava a presença de pequeno veleiro, que devia ter entrado no porto durante a noite, sem auxílio de piloto.
Pelas dimensões das velas assemelhavam-se aos paraus malaios, mas não se viam os balancins para se defender das rajadas, nem a cobertura chamada «attap», que os barcos daquela natureza costumam usar. Além disso, não tinha a popa baixa e, por certo, deslocava três vezes a tonelagem dos paraus ordinários.
Fosse como fosse, era um veleiro lindíssimo, de casco esguio, verdadeiro barco de corrida, que devia ganhar em velocidade a todos os barcos a vapor que então possuía o governo anglo-indiano.


Nenhum dos livros indica o autor das capas.

A tradução de Sandokan é de Leyguarda Ferreira e a do Corsário Negro é de António Vilalva.

 Ambos foram editados em 1958, tinha eu 13 anos, e impressos na Tipografia H. Torres na Rua de S. Bento nº 279-B.

Toda a vida de Emílio Salgari foi composta por enormes carências financeiras, realizando os mais variados sacrifícios para poder sobreviver, bem como sua mulher e os quatro filhos.

Tentou que os diversos editores, que lhe iam publicando os livros, lhe prestassem um qualquer auxílio.

Em vão.

Desesperado, suicidou-se no dia 25 de Abril de 1911. Tinha 49 anos.

Deixou um recado escrito aos crápulas dos editores:

«Aos meus editores: A vós que haveis enriquecido à custa da minha pele, mantendo-me a mim e à minha família numa contínua quase miséria, ou pior, só vos peço que em compensação dos lucros que vos proporcionei tomeis a vosso cargo o meu funeral. Saúdo-vos quebrando a pena.»

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