domingo, 25 de junho de 2017

CENSURA GULBENKIANA


Dois dos mais importantes intelectuais portugueses, José Rodrigues Miguéis e Jorge de Sena, viram-se na obrigação de emigrar para poderem sobreviver e escrever. Isso tornou-os homens amargos, muitas vezes à beira do desespero.

Mesmo longe, sentiram-se sempre perseguidos pela ditadura salazarenta.

E não só!

Pelos seus pares que não apoiavam o regime, também se sentiram injustiçados e marginalizados.

Num texto «A Literatura Portuguesa no Secundário»,  publicado na revista do Expresso, 10 de Junho de 2017, Diogo Ramada Curto revela:

Por isso, releio esta minha denúncia acerca de um programa escolar da nossa literatura tendo à minha frente os papéis de Rodrigues Miguéis e o seu dossier sobre uma antologia do conto português (Hay Library, Universidade de Brown). Verifico que também ele hesitou – e não foi pouco – nos autores a incluir e nas relações a estabelecer com a literatura brasileira. A antologia organizada por Miguéis estava para ser traduzida pelo seu amigo Raymomd Sayers, professor de Literatura. Dados os custos envolvidos, o editor pediu um subsídio, em 1961. A Fundação Gulbenkian disponibilizou-se para apoiar a edição. Mas, segundo o dossier da John Hay Library, terá imposto uma condição: que o nome de Miguéis não figurasse como coautor da antologia. Uma hipótese plausível, destinada a explicar este ato de censura, é que a sombra das suas ligações ao Partido Comunista – mau grado a distanciação adotada por Miguéis, desde a Segunda Guerra. No seu longo exílio em Nova Iorque – continuava a apesar. O livro nunca saiu e a história da literatura portuguesa, pelo menos a sua difusão em língua inglesa, ficou mais pobre.

Salazar, juntamente com os crápulas que o apoiavam e veneravam, sempre viu comunistas em tudo e em todos. De tal ordem que chegaram ao ponto de inventar Fátima para que o mundo ficasses livre do Comunismo

Pego em José Rodrigues Miguéis, Vida eObra, de Mário Neves, e reproduzo:

Se José Rodrigues Miguéis tinha então algum compromisso com o sector comunista não está devidamente averiguado, nem é muito fácil sabê-lo, dada a confusão em que tais coisas se processavam, nessa época de cautelosa clandestinidade. Em averiguações posteriores, ao pretender-se identifica-lo no quadro político da época, discutiu-se esse ponto, embora não pudessem restar dúvidas das suas simpatias pelos princípios defendidos pelo Partido Comunista e que se traduziam em frequentes atitudes de empenhada militância. As diligências feitas com vista a um esclarecimento nesse sentido deparam todos, porém, com informações nem sempre convergentes. Ao passo que as pessoas responsáveis da direcção do partido afiançam que Miguéis foi mesmo filiado, Camila Campanella, a esposa e companheira dedicada do escritor, que com ele conviveu dezenas de anos e conheceu os mais íntimos aspectos da sua carreira, afirma perenptoriamente que não. Por sua vez, Ana Maria Alves, num estudo em que analisou criteriosamente a posição de «Miguéis seareiro», escreve: «É possível que Miguéis tenha estado ligado ao Partido Comunista, mas é difícil ponderar o grau e o significado desse comprometimento, já que o PCP é, nesta época, uma pequena organização muito fluida e de ideologia confusa.» Ainda num trabalho recentemente publicado na Análise Social, sob a responsabilidade de Luís Salgado de Matos, o militante anarco-sindicalista Emídio santana, que muito se ocupou desses temas, por curiosidade histórica e interesse partidário, não hesito em afirmar que Miguéis «esteve ligado ao PC».

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