Tanto quanto
sabia, eu não pertencia a ninguém na altura como ainda hoje não pertenço. Tinha
uma mulher e filhos que amava mais do que tudo no mundo. Tentava sustentá-los e
não me meter em sarilhos, mas na imprensa os grandes abutres continuavam a
promover-me como o representante, o porta-voz, e até mesmo a consciência de uma
geração. Aquilo tinha piada. Tudo o que eu fazia era cantar cantigas que iam
direitas ao assunto e exprimiam poderosas e novas realidades. Tinha pouco em
comum e muito menos conhecia a geração da qual se dizia que eu era a voz.
Deixara a minha terra dez anos antes, não andava a vociferara as opiniões de
ninguém. O meu destino fazia-se com que a vida oferecia, não tinha nada a ver
com a representação de qualquer tipo de civilização. O que interessa é ser-se
honesto consigo próprio. Eu era mais um vaqueiro do que um homem com uma flauta
mágica.
As pessoas julgam
que a fama e as riquezas se traduzem em poder, que trazem glória, honra e
felicidade. Se calhar até trazem, mas nem sempre. Dei por mim enfiado em Woodstock,
vulnerável, e com uma família para proteger. Mas ao ler as notícias, era
descrito com tudo menos isso. Parece que o mundo sempre precisou de um bode expiatório
– alguém que comande a carga contra o Império Romano. Mas a América não era o
Império Romano e alguém que não eu teria de se oferecer para essa missão. Nunca
fui mais do que realmente era – um músico de folk que contemplava a névoa
cinzenta com olhos cegos de lágrimas e fazia canções que flutuavam numa neblina
luminosa. Agora, tudo me tinha rebentado na cara e pairava sobre mim. Eu não
era um pregador que fazia milagres. Tudo aquilo teria levado qualquer pessoa à
loucura.
Bob Dylan em Crónicas
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