quarta-feira, 14 de junho de 2017

UM SUJEITO CONTRADITÓRIO


Carta de Jorge de Sena, datada de 25 de Maio de 1969, para Eugénio de Andrade:

Em matérias de glórias, eu sou, francamente, um sujeito contraditório: ao mesmo tempo as pessoas incomodam-me (e muitas vezes até quando escrevem admirativamente a meu respeito, sem que nisto vá ingratidão), o êxito parece-me risível,  e sei melhor que ninguém a que várias circunstâncias pode dever-se. Mas a hostilidade com que lutei desde a primeira hora, ou que suscitei sem querer (ou muitas vezes por querer), deu-me também uma sede de triunfo, de mundo a meus pés – talvez pelo que de outcast tenho sido sempre de grupos literários ou profissionais. E isso o não sinto menos na minha vida universitária, onde, no fundo, os meus «colegas» de cá e de lá não me perdoam que eu tenha entrado na profissão «por cima», por força de uma bagagem maior que a deles todos juntos. Mas tudo me fere: fui sempre a vida inteira o mesmo menino esquecido e jogado entre os pais, sedento de atenção e de amor, dividido entre estar só e acompanhado.

Sem comentários: