Ainda não disse que tenho um Poeta na turma. É o
Romão. Faz o possível por «parecer» Poeta, pela mameira como se senta, pelo tom
de voz, e até pelo reclamo falado que de si faz: assina o «Poeta»: acha
naturalíssimo que eu lhe chame «ó Poeta» e diz aos outros que se não devem
admirar de que haja Poetas que escrevem prosa: «Eu também sou Poeta e faço
muitas redacções». Tenho-lhe dito que é precisos ser Poeta principalmente por
dentro; ele deve sabê-lo e é muito capaz de sê-lo: o que escreve traz a selo
tão nítido que o rapazinho talvez não se tenha enganado a seu respeito.
Imaginação, boa escolha de palavras e uma gramática pavorosamente à Gomes Leal;
pontuação não é com ele: a sua prosa (assinada assim: «o Poeta prosador») é
parente do verso do Aragon.
Pois o Romão quis ler «Uma Corrida em Salvaterra» e eu
invejei a leitura de que foi capaz. Ouvi-o com gosto, se não com um entusiasmo.
E mais ainda quando, não aproveitando do trecho senão o facto de apresentar um
Português valente, dos que dantes havia, improvisa um discurso tão
correctamente conduzido, tão bonito e tão rico de frases felizes, que parecia
preparado. Mas não era: o Poeta estava a falar. E o Poeta tinha o coração nas
mãos (já sei porque ele põe as mãos num gesto que a princípio não percebia).
Dizia ele que «a alma portuguesa foi sempre grande».
Invencível sempre, foi antigamente, no entanto, «mais firme, mais impetuosa».
Hoje deixaríamos morrer afogado, junto de nós, quem quer que não fosse de nossa
família (pai, mãe, irmão…) porque a morte nos aterroriza; porque (como a ordem
das palavras é já de Poeta nesta frase!) «hoje o medo de morrer é grande».
E etc. Neste etc. ia um apelo do Poeta – do mais
fundo, do mais humanamente bonito do Poeta: «Devíamos ser todos irmãos».
Sebastião da
Gama em Diário
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