Muito mais tarde, descobriria que Hank tinha vivido
com dores tremendas, sofria de graves problemas de coluna – e que a dor devia
ser uma tortura. Sabendo isto, ainda é mais impressionante ouvir os seus
discos. É quase como se ele desafiasse sa leis da gravidade. Quase que gastei o
disco «Luke the Drifter». É
aquele em que ele canta e recita parábolas como as Beatitudes. Conseguia ouvi-lo
todo o dia, perder-me nele, ficar completamente convencido da bondade do homem.
Quando ouço o Hank cantar, todo o movimento cessa. O mais suave murmúrio parece
um sacrilégio.
Com o tempo, apercebi-me de que nas canções gravadas
do Hank estavam as regras arquetípicas da composição musical poética. As formas
arquetípicas são como pilares de mármore e tinham que lá estar. Até as suas
palavras – as sílabas estão todas divididas de tal forma que fazem perfeito
sentido matemático. Pode-se aprender bastante sobre a estrutura de composição ao
ouvir os seus discos, eu ouvi-os vezes sem conta e interiorizei-a. Daí por
alguns anos, Robert Shelton, o crítico de jazz e folk do New York Times, faria uma crítica a
uma das minhas actuações e diria qualquer coisa do género, «assemelha-se a uma
fusão entre um menino de coro e um beatnik… ele viola todas as regras da
composição, excepto a de ter alguma coisa para dizer». As regras, quer Shelton
soubesse ou não, eram as regras do Hank, mas o meu propósito não era propriamente
quebrá-las. É que aquilo que eu estava a tentar expressar ia para além da
«esfera».
Bob Dylan emCrónicas
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