terça-feira, 6 de junho de 2017

AS REGRAS DO HANK


Muito mais tarde, descobriria que Hank tinha vivido com dores tremendas, sofria de graves problemas de coluna – e que a dor devia ser uma tortura. Sabendo isto, ainda é mais impressionante ouvir os seus discos. É quase como se ele desafiasse sa leis da gravidade. Quase que gastei o disco «Luke the Drifter». É aquele em que ele canta e recita parábolas como as Beatitudes. Conseguia ouvi-lo todo o dia, perder-me nele, ficar completamente convencido da bondade do homem. Quando ouço o Hank cantar, todo o movimento cessa. O mais suave murmúrio parece um sacrilégio.
Com o tempo, apercebi-me de que nas canções gravadas do Hank estavam as regras arquetípicas da composição musical poética. As formas arquetípicas são como pilares de mármore e tinham que lá estar. Até as suas palavras – as sílabas estão todas divididas de tal forma que fazem perfeito sentido matemático. Pode-se aprender bastante sobre a estrutura de composição ao ouvir os seus discos, eu ouvi-os vezes sem conta e interiorizei-a. Daí por alguns anos, Robert Shelton, o crítico de jazz e folk do New York Times, faria uma crítica a uma das minhas actuações e diria qualquer coisa do género, «assemelha-se a uma fusão entre um menino de coro e um beatnik… ele viola todas as regras da composição, excepto a de ter alguma coisa para dizer». As regras, quer Shelton soubesse ou não, eram as regras do Hank, mas o meu propósito não era propriamente quebrá-las. É que aquilo que eu estava a tentar expressar ia para além da «esfera».

Bob Dylan emCrónicas

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