Ainda a carta, datada
de 4 de Maio de 1969 de Jorge de Sena para Eugénio de Andrade:
Nada há mais hipócrita que a hipocrisia das «democracias» - a menos que
a gente viva na Dinamarca ou na Holanda. E realmente as Américas fizeram-se
para chegar a elas analfabeto e descalço, da Polónia ou do Minho, da Irlanda ou
de qualquer aldeia da inconsciência humana.
Também eu me vou arruinando em discos que, como os livros que sempre
vou comprando, até já excedem a minha capacidade temporal de ouvi-los. Mas não
fora a música, e às vezes um filme ou uma peça de teatro, e seria difícil
respirar. Ainda ontem me deliciei a ver, pela companhia da universidade, uma
altamente subversiva apresentação de poemas(muitos dos quais tenho traduzidos para
o português) e de cenas de Brecht – que ao mesmo tempo me irritou pela gratuita
provocação comunistóide que só pode tornar mais dura a posição das esquerdas.
Não vêem estes asnos a que ponto servem o Establishement, fornecendo armas para o pânico da gente
pacata e timorata. Como vês, meu caro, estou como tu, que se há-de fazer neste
país senão ouvir Mozart ou outro qualquer?
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