Naquela longa
varanda suspensa no espaço, pista de corridas, parque infantil, observatório do
mundo, passei horas inesquecíveis. Recordo particularmente as noites de verão,
cálidas, cheirosas das flores da vizinhança, na meia obscuridade. Apagava-se a
luz da casa de jantar, para poupar o gás e porque nem sequer se justificava o
seu consumo. A mãe trazia uma cadeira para a varanda e sentava-se, permanecendo
com os olhos fechados e o seu sorrido de todas as horas. O pai ficava cá dentro
a ressonar na sua cadeira de braços. A avó estava na cozinha a lavar a loiça, e
as irmãs andavam por cá e por lá.
Cálida e cheirosa,
a noite. O céu azul-escuro, repleto de estrelas cintilantes. Espectáculo
maravilhoso de um firmamento que a civilização aniquilou. Não é saudosismo,
Juro! Já não se vêem estrelas, à noite, no céu de lisboa, nem nos céus dos
grandes aglomerados populacionais. Os gases de combustão da gasolina dos
automóveis, dos óleos dos camiões, do combustível dos aviões, a incessante
fumarada das chaminés das fábricas, cobriram a cidade de um capacete denso que
não se deixa atravessar pela fraca luz das estrelas. É um facto observado; não
é saudosismo, repito. As novas gerações não sabem o que é um céu estrelado, a
não ser que o tenham visto em regiões menos poluídas, talvez no campo ou na
praia. Mas o campo não interessa aos jovens e a praia, à noite não é para fitar
o céu mas para morder a terra.
Perdeu-se o
sentido do que é o firmamento estrelado profusamente, e que constitui um dos
espectáculos mais belos da natureza. Fitavam-se os olhos nas estrelas e
encantavam-se com a sua nervosa cintilação, reparava-se na mudança de posições
que as estrelas iam ocupando no céu, identificavam-se as constelações, as
Ursas, o Orion, a Cassiopeia, e localizava-se a Estrela Polar. E tudo isto na
noite cálida, cheirosa, com a mãe de olhos fechados na cadeira e o pai a
ressonar lá dentro.
Rómulo de Carvalho em Memórias
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