quinta-feira, 29 de junho de 2017

A PRESENÇA DE UM PASSADO PROTECTOR


O liceu que frequentei, e onde fiz o curso completo, foi o de Gil Vicente, instalado no velho e imenso mosteiro de S. Vicente de Fora anexo à imponente igreja dedicada ao mesmo santo.
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Gostei muito de frequentar aquele liceu, não pelo ensino que lá me ministraram mas pelo edifício. Sentia-se, em toda aquela vasta construção, a presença de um passado protector, apaziguador, um espaço de acolhimento onde sussurravam vozes antigas acolhedoras que inspiravam respeito. Nos diversos lugares de acesso de que o estudante dispunha, nuns, erguiam-se os olhos, e deparavam-se-lhes as tores da igreja; noutros, grandes panos de azulejos com as figuras convencionais dos fidalgos que iam à caça com chapéus de plumas; no solo, às vezes, as letras apagadas de uma camp rasa; nas aberturas das janelas a imagem faiscante do Tejo. Por vezes a vozearia do povo, cá fora, nos arruamentos e espaços exteriores; outras vezes o som poderosos das badaladas dos sinos da igreja.
(…)
Fui um aluno modesto que em nada correspondeu ao que se esperava do seu comportamento na escola primária, em geral melhor nas letras do que nas ciências, conseguindo às vezes naquelas uma ou outra nota de 16 valores (ao tempo as notas iam de 0 a 20). Os professores eram maus ou medíocres, e só me lembro de dois que me impressionaram não propriamente pelas suas qualidades pedagógicas mas pelas suas atitudes mentais, aliás reveladas em obras escritas de merecimento. Foram o Fidelino de Figueiredo e o Câmara Reis, dois nomes que permaneceram na história da nossa cultura. Os outros todos estão aí pelos cemitérios fora, em campas esquecidas.

Rómulo de Carvalho em Memórias

Legenda: fachada do Liceu Gil Vicente nos dias de hoje. Situa-se na Rua da Verónica e deixou de ser liceu para passara a ser Escola Secundária de Gil Vicente.

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