O liceu que
frequentei, e onde fiz o curso completo, foi o de Gil Vicente, instalado no
velho e imenso mosteiro de S. Vicente de Fora anexo à imponente igreja dedicada
ao mesmo santo.
(…)
Gostei muito de
frequentar aquele liceu, não pelo ensino que lá me ministraram mas pelo
edifício. Sentia-se, em toda aquela vasta construção, a presença de um passado
protector, apaziguador, um espaço de acolhimento onde sussurravam vozes antigas
acolhedoras que inspiravam respeito. Nos diversos lugares de acesso de que o
estudante dispunha, nuns, erguiam-se os olhos, e deparavam-se-lhes as tores da
igreja; noutros, grandes panos de azulejos com as figuras convencionais dos
fidalgos que iam à caça com chapéus de plumas; no solo, às vezes, as letras
apagadas de uma camp rasa; nas aberturas das janelas a imagem faiscante do
Tejo. Por vezes a vozearia do povo, cá fora, nos arruamentos e espaços
exteriores; outras vezes o som poderosos das badaladas dos sinos da igreja.
(…)
Fui um aluno
modesto que em nada correspondeu ao que se esperava do seu comportamento na
escola primária, em geral melhor nas letras do que nas ciências, conseguindo às
vezes naquelas uma ou outra nota de 16 valores (ao tempo as notas iam de 0 a
20). Os professores eram maus ou medíocres, e só me lembro de dois que me
impressionaram não propriamente pelas suas qualidades pedagógicas mas pelas
suas atitudes mentais, aliás reveladas em obras escritas de merecimento. Foram
o Fidelino de Figueiredo e o Câmara Reis, dois nomes que permaneceram na
história da nossa cultura. Os outros todos estão aí pelos cemitérios fora, em
campas esquecidas.
Rómulo de Carvalho em Memórias
Legenda: fachada do Liceu Gil Vicente nos dias de hoje. Situa-se na Rua da Verónica e deixou de ser liceu para passara a ser Escola Secundária de Gil Vicente.
Legenda: fachada do Liceu Gil Vicente nos dias de hoje. Situa-se na Rua da Verónica e deixou de ser liceu para passara a ser Escola Secundária de Gil Vicente.
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