segunda-feira, 8 de março de 2021

VELHAS CASAS, VELHAS HISTÓRIAS


Da necessidade de pegar num qualquer número da Vértice, para ilustração de um texto do Cais, peguei num em que existem algumas páginas dedicadas a Manuel de Oliveira.

Manuel de Oliveira é como está em toda a evocação da Vértice, se teclar Manuel de Oliveira a Wikipédia pergunta-me: «Será que quis dizer Manoel de Oliveira?»

Como não sei as razões da passagem de Manuel para Manoel, por hoje, respeito como vem na revista.

Num texto intitulado O Cinema e o Capital, publicado na revista Movimento de Outubro de 1933, Oliveira começa por dizer:

«O cinema é, de todas as artes, a mais sujeita ao capitalismo, pelo custo fabuloso do seu material e meios técnicos, e ainda pela dependência esmagadora dum público mal orientado por uma forte propaganda que cuida demasiado de estrelas e astros, e nada de ideias e processos artístico»

E termina assim:

«É portanto necessário acabar com o cinema-negócio. É necessário arrancar a indústria do cinema das garras nefastas do capitalismo. É necessário que o cinema seja apenas isto: um órgão de criação artística, e de acção educativa e social.»

Na Vértice também é publicada uma entrevista que Lauro António fez a Oliveira e publicada no Jornal de Letras e Artes de Fevereiro de 1964.

Pegue-se na parte final da entrevista:

«Perguntámos a Manuel de Oliveira quais os seus projectos imediatos. Respondeu-nos que o mais amadurecido era a adaptação de A Velha Casa, romance de José Régio.

- O projecto foi submetido à provação do Fundo de Cinema Nacional?

- Sim. Foi. E até tinha razões para esperar que fosse atendido. A verdade é que não fui, mais vez.

- E então desiste?

- Desistir, não desisto. Fico na expectativa…

- E se voltar a ser negado?

- Procurarei outras soluções…

Perderam-se na poeira dos tempos as expectativas de Manoel de Oliveira, também acabou por não encontrar outras soluções que o terão levado simplesmente a desistir do projecto.

Mas segundo João Bénard da Costa (2º volume de Crónicas: Imagens Proféticas e Outras):

Régio foi influência maior obra de Oliveira, Agustina gosta de o recordar «menino entre os doutores». Os temas da obra de Régio ecoam na de Oliveira, e os mestres de Régio foram, através dele, os mestres de Oliveira»

Agustina Bessa Luís teve uma declarada fascinação por Régio e a sua obra, que a levaram a escrever (Caderno de Significados) que Régio «é um dos nossos autores pior interpretados. Mesmo os seus discípulos o interpretam mal, porque especulam sobre a pluralidade dos seus meios e dos seus fins, mas não compreendem, na verdade, o homem vitorioso.

Muitas vezes eu olhava para José Régio, à minha maneira desprotegida e vazia de conceitos, e surpreendia nele uma ambição fabulosa; como se não houvesse linguagem para ele exprimir o que sabia, como se não houvesse sequer um mapa do corpo humano que ele conhecia».

José Régio considerava A Velha Casa (cinco romances publicados entre 1945 e 1966) o melhor da sua obra. Sempre manifestou a ideia da impossibilidade de a transcrever para o cinema, Manuel de Oliveira não ignorava essas dificuldades,  mas ainda chegou a trabalhar com Régio na adaptação das primeiras cenas que serviram de base para o trabalho a apresentar ao Fundo de Cinema, para a obtenção de um subsídio, que foi recusado.

O oportunismo e a mediocridade, principalmente em tempos de ditadura, andaram sempre de mãos dadas, fosse para que arte fosse.

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