Todos
os anos, a mentira do costume.
Os
calendários dizem que o Mário Viegas deixou-nos há 25 anos.
Quem
organiza os calendários são uns tretas.
Ele
anda para aí, nas baldas do costume, abraçado a um copo de gin-tónico. Estou
mesmo agora a vê-lo a sair do João Sebastião Bar…
Por hábito velho, somos conduzidos para o lugar-comum de que não morrem aqueles de quem gostamos, mas sabemos todos que isso não passa de mera literatura. Ao certo sabemos, apenas, que o lugar continua vazio, também porque sabemos o quanto é difícil encontrar gente como o Mário Viegas.
Mário Viegas, para além da sua discografia, deixou escrita e ilustrada uma Auto-Photo Biografia (não autorizada).
Trata-se de uma edição fac-similada pela Câmara Municipal de Cascais (Maio de 2003), segundo original do autor, cedido pela família.
Logo na capa Mário Viegas diz ao que vem:
«Rir, chorar, Denúncias, Teatradas, Poesia, Amor,
Ódio, Acção, Mistério, Escândalos, Surpresas!!!
Revelações sensacionais!! Segredos político-teatrais
nunca divulgados!!!
Mais de 200 páginas com textos e fotografias inéditas»
Em tamanho, é o maior livro que existe na biblioteca da família.
Exactamente 42 cm de altura por 30 cm. A reprodução da capa do livro, com uma fotografia inédita de Eduardo Gageiro, é a possível.
Abre-se o livro e deparamos com uma fotografia de Mário Viegas, enquanto moço, e o poema E tudo era possível de Ruy Belo:
«Na minha juventude antes de ter saído
da casa de meus pais disposto a viajar
eu conhecia já o rebentar do mar
das páginas dos livros que já tinha lido
Chegava o mês de maio era tudo florido
o rolo das manhãs punha-se a circular
e era só ouvir o sonhador falar
da vida como se ela houvesse acontecido
E tudo se passava numa outra vida
e havia para as coisas sempre uma saída
Quando foi isso? Eu próprio não o sei dizer
Só sei que tinha o poder duma criança
entre as coisas e mim havia vizinhança
e tudo era possível era só querer»
Da contracapa:
«Está tudo (mas tudo!!) nas entrelinhas das
entrevistas, títulos, piadas, na selecção das fotografias, tamanho, cor e
sobretudo nas ausências, que são muitas…
Para ler aos poucos, “distraidamente”… Mas não há nada
por acaso… Para bons entendedores, meias palavras bastam… E vale sobretudo
pelos inéditos dos Poetas. Não é cabotino: é cabotiníssimo!!!
Mário Viegas»
Antes, há uma citação de Samuel Beckett: «O que eu quero dizer é exactamente o que eu disse».
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