quinta-feira, 1 de abril de 2021

SEMPRE A MESMA MENTIRA!


Todos os anos, a mentira do costume.

Os calendários dizem que o Mário Viegas deixou-nos há 25 anos.

Quem organiza os calendários são uns tretas.

Ele anda para aí, nas baldas do costume, abraçado a um copo de gin-tónico. Estou mesmo agora a vê-lo a sair do João Sebastião Bar…

Por hábito velho, somos conduzidos para o lugar-comum de que não morrem aqueles de quem gostamos, mas sabemos todos que isso não passa de mera literatura. Ao certo sabemos, apenas, que o lugar continua vazio, também porque sabemos o quanto é difícil encontrar gente como o Mário Viegas.

Mário Viegas, para além da sua discografia, deixou escrita e ilustrada uma Auto-Photo Biografia (não autorizada).

Trata-se de uma edição fac-similada pela Câmara Municipal de Cascais (Maio de 2003), segundo original do autor, cedido pela família.

Logo na capa Mário Viegas diz ao que vem:

«Rir, chorar, Denúncias, Teatradas, Poesia, Amor, Ódio, Acção, Mistério, Escândalos, Surpresas!!!

Revelações sensacionais!! Segredos político-teatrais nunca divulgados!!!

Mais de 200 páginas com textos e fotografias inéditas»

Em tamanho, é o maior livro que existe na biblioteca da família.

Exactamente 42 cm de altura por 30 cm. A reprodução da capa do livro, com uma fotografia inédita de Eduardo Gageiro, é a possível.

Abre-se o livro e deparamos com uma fotografia de Mário Viegas, enquanto moço, e o poema E tudo era possível de Ruy Belo:

«Na minha juventude antes de ter saído

da casa de meus pais disposto a viajar

eu conhecia já o rebentar do mar

das páginas dos livros que já tinha lido

 

Chegava o mês de maio era tudo florido

o rolo das manhãs punha-se a circular

e era só ouvir o sonhador falar

da vida como se ela houvesse acontecido

 

E tudo se passava numa outra vida

e havia para as coisas sempre uma saída

Quando foi isso? Eu próprio não o sei dizer

 

Só sei que tinha o poder duma criança

entre as coisas e mim havia vizinhança

e tudo era possível era só querer»

Da contracapa:

«Está tudo (mas tudo!!) nas entrelinhas das entrevistas, títulos, piadas, na selecção das fotografias, tamanho, cor e sobretudo nas ausências, que são muitas…

Para ler aos poucos, “distraidamente”… Mas não há nada por acaso… Para bons entendedores, meias palavras bastam… E vale sobretudo pelos inéditos dos Poetas. Não é cabotino: é cabotiníssimo!!!

Mário Viegas»

Antes, há uma citação de Samuel Beckett: «O que eu quero dizer é exactamente o que eu disse».

Sem comentários: