terça-feira, 30 de julho de 2024

OLHAR AS CAPAS


José Gomes Ferreira: operário das palavras

Catálogo da Exposição Comemorativa do Centenário do Nascimento

Comissário: Raúl Hestnes Ferreira

Concepção e organização: Raúl Hestnes Ferreira

Palácio Galveias: 23 de Novembro 2000/7 de Janeiro 2001

Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa s/d

«Eis a definição de poeta que mais me agrada: operário das palavras.

10 de Maio 1970 em Dias Comuns.

NO FOGO DAS ESTRADAS

 

No fogo das estradas é que
o medo de ter
tempo de mais as mãos pousadas
no amor nas espáduas
na amargura do rio
é que molhar as mãos
na água dos joelhos e andar
um pouco mais ainda sobre o fogo
das pernas e alcançar a terra
o ar do tronco o vapor o
movimento infindável do corpo em torno
do amor é que o mar as estradas
é que a locomoção por sobre a mágoa
no fogo das estradas é que tudo
se pode incendiar


Gastão Cruz em A Doença

segunda-feira, 29 de julho de 2024

POSTAIS SEM SELO


Somos filhos das estrelas.

Carl Sagan

O OUTRO LADO DAS CAPAS


Os dois volumes da História Ilustrada da Literatura Portuguesa, o 1º volume da autoria de António José Saraiva, o 2º volume da autoria de Óscar Lopes são parte do 8º volume da História Ilustrada das Grandes Literaturas, iniciativa da Editorial Estúdios Cor.

Desta História Ilustrada das Grandes Literaturas não constam outros volumes senão estes da Literatura Portuguesa.

Citação tirada do site do Alfarrabista Castro e Silva:

HISTÓRIA ILUSTRADA DAS GRANDES LITERATURAS.

Editorial Estúdios Cor. Lisboa. 1955, 1956, 1957, 1958, 1959, 1960 e 1961.

7 volumes de 25x19 cm. Com 595; 477; 245; 335; 453, [viii]; 231 e 400 págs. Encadernação em pele. Preserva capas de brochura. Ilustrado.

I - Literaturas Clássicas.

II - Literatura Francesa.

III - Literatura Italiana.

IV - Literatura Espanhola.

V - Literatura Russa.

VI - Literatura Inglesa.

VII - Literatura Alemã.

Esta obra pesa mais de 11 Kg. e está sujeita a cobrança de portes adicionais.

O trabalho de António José Saraiva e Óscar Lopes nesta História Ilustrada das Grandes Literaturas baseia-se na História da Literatura Portuguesa que foi fonte principal do estudo da Literatura Portuguesa no 3º Ciclo dos liceus (6º e 7º anos).

Legenda: ilustração de Fernando de Azevedo.

OLHAR AS CAPAS


História Ilustrada das Grandes Literaturas

Literatura Portuguesa

2º Volume

Óscar Lopes

Capa: Manuel Correia

Ilustrações desenhadas: Fernando Azevedo

Estúdios Cor, Lisboa, Setembro de 1973

Talvez o que aqui fica já baste para sugerir as inesgotáveis intuições de uma leitura atenta e fiel (digo «fiel» porque creio na coisa em si, mesmo literária), da parte melhor, digamos que um terço, desta centena de contos que Miguel Torga nos deu.

O melhor da nossa tradição contista. Pelo menos de uma dada concepção, hoje clássica, de conto.

A DEMOCRACIA É A CASA DO POVO QUE LÁ NÃO MORA

A democracia é a casa do povo que lá não mora
A democracia é a casa do povo que lá não mora.
A revolução é a chave partida na fechadura,
a rodar em falso numa réstia de cravos.


Revolução é lembrança da mãe primaveril,
antes da reforma,
no tempo em que cantava um canto inicial,
pétala arterial
no caule da madrugada.


Democracia é palavra que descola
quando o povo desencosta,
escassa na empresa e na escola,
esquecido o torno e a jorna,
o calabouço e a coça – a servidão do cereal;
esquecido o cântaro e o dedal
e o porão colonial.

Revolução é praça que não torna.


A democracia é a casa do povo que lá não mora
mas desarmado a guarda
depois que a desarmou – e agora começou a desamar.

A democracia é a casa do povo que lá não mora.
Palácio sem umbral,
ratado pela desventura,
reboco onde pica o demagogo
e vocifera o impostor.


A democracia é a casa do povo que demora.
A revolução é a chave partida na fechadura
a rodar em falso uma volta inteira
na poeira matinal.

Rui Lage

Nota do Editor:  Este poema de Rui Lage foi tirado do Público de 25 de Maio  de 2024.

Poesia Pública é uma iniciativa do Museu e Bibliotecas do Porto comissariada por Jorge Sobrado e José A. Bragança de Miranda. Ao longo de 50 dias publicaremos 50 poemas de 50 autores sobre revolução. 

domingo, 28 de julho de 2024

OS ITINEÁRIOS DO EDUARDO


Uma guerra terrível em África.

Milhares de mortos, milhares de feridos, milhares de estropiados, milhares que ainda acordam a meio da noite num pesadelo de tiros e granadas e minas a rebentarem…«uma guerra que nos fere e dói que mais não seja por ser guerra em vão».

O poeta Eduardo Guerra Carneiro andou por Mafra, a aprender ninguém sabe o quê, um enorme desespero sempre, uma angústia enorme.

Em Mafra teve como companheiros de companhia, ou de pelotão, o Adriano Correia de Oliveira, o Nuno Guimarães, o José Cid.

Começamos o percurso do Eduardo de hoje no seu 3º livro Algumas Palavras (1969) :

 

Em certos meses mafras se povoam

de soldados novos São meses sol

de guerra que aqui dentro vai roendo

as mãos e lá fora vai matando

homens São meses morse

denso que já sabe ao som

do erro Ao sol da morte


E desaguamos, tinha que ser!, no livrinho de capa vermelha:

«Lá te foste embora, António. De ideias ao ombro; todo vestido de bombazina. Estou a ver-te na Praça da Batalha, já lá vão uns anos. Não me dossete nada mas parece que o adivinhava no castanho da bombazina, na pressa em ires embora, nas poucas palavras que disseste. De que cor são os lagos da Suiça?»


E ainda:


«Vai a correr, de Mauser nas mãos, por longos corredores, escuros e baptizados. Cerradas filas o aguardam num terreiro cercado. O verde da paisagem está sujo por centenas de homens armados, vestidos de verde».

MÍSIA (1955-2024)


Mísia, cantora e fadista, morreu este sábado em Lisboa. Tinha 69 anos.

«A voz corajosa de aquém e além-fado», escreveu Nuno Pacheco no Público.

OLHAR AS CAPAS


 História Ilustrada das Grandes Literaturas

Literatura Portuguesa

1º Volume

António José Saraiva

Capa: Manuel Correia

Ilustrações desenhadas: Fernando Azevedo

Estúdios Cor, Lisboa, Dezembro de 1963

A Cidade e as Serras de Eça de Queiroz constitui o desenvolvimento de um conto de tese. A caricatura e a descrição  realista são aí utilizados não apara a análise dos meios sociais, mas para a sua valorização. De um lado o meio parisiense caricaturado pejorativamente, do outro o meio rural minhoto idealizado elogiosamente. Neste último a paisagem sobrepõe-se às personagens, deixa de constituir uma atmosfera. As próprias personagens perdem quase totalmente a dimensão psicológica.

MÚSICA PELA MANHÃ

Pedro Adão e Silva, hoje, no Público:

«Nos últimos dias, um vídeo no qual se vê Kamala Harris à saída de uma loja de discos de saco de papel na mão, a esconder alguns vinis, viralizou. Instada por jornalistas a declarar o que trazia no saco, Kamala não hesita e, de sorriso rasgado, vai retirando os discos um a um: “Charles Mingus, um dos maiores intérpretes de jazz de sempre. Um dos meus álbuns preferidos, de Roy Ayers, Everybody Loves the Sunshine. Conhecem? É tão bom, um clássico. E Porgy and Bess, e este é muito bonito, é a versão da Ella Fitzgerald e do Louis Armstrong.”».

AINDA O VAI E VEM DO EÇA


Bárbara Reis, no Público de 2 de Julho diz-nos que: pela quarta vez em nove meses, a justiça rejeitou os pedidos de alguns dos bisnetos de Eça de Queiroz que estão contra a trasladação dos restos mortais do escritor para o Panteão Nacional e não deu razão a nenhum dos seus argumentos.

Para além da maioria dos bisnetos — 13 dos 22 são a favor e três não se pronunciaram —, a autarquia de Baião, a FEQ e a AR são a favor da ida de Eça para o Panteão.

Os três juízes do Supremo Tribunal Administrativo de Lisboa decidiram que os bisnetos descontentes “não têm razão” e que a sua argumentação é “inaplicável”, “impensável”, “não prevista”, “inútil” e “não consubstanciada”.

Provavelmente o caso terá outras vias porque, quem não está de acordo,  podem ainda  recorrer para o pleno da secção de contencioso e administrativo do Supremo, e podem recorrer para o Tribunal Constitucional.

Quando morreu em Paris, em 1900, Eça foi trasladado para Portugal, teve um funeral com honras de Estado e foi sepultado no jazigo da família da mulher, Emília Resende, no Cemitério do Alto de São João, em Lisboa. Noventa anos depois, por iniciativa da família, o corpo foi trasladado para o Cemitério de Santa Cruz do Douro, no concelho de Baião, onde está desde 1989.


Resta-nos relembrar Eça em A Cidade e as Serras:

«Uma formidável moça, de enormes peitos que lhe tremiam dentro das ramagens do lenço cruzado, ainda suada e esbraseada do calor da lareira, entrou esmagando o soalho, com uma terrina a fumegar. E o Melchior, que seguia erguendo a infusa do vinho, esperava que Suas Incelências lhe perdoassem porque faltara tempo para o caldinho apurar... Jacinto ocupou a sede ancestral- e durante momentos ( de esgazeada ansiedade para o caseiro excelente) esfregou energicamente, com a ponta da toalha, o garfo negro, a fusca colher de estanho. Depois, desconfiado, provou o caldo, que era de galinha e rescendia. Provou- e levantou para mim, seu camarada de misérias, uns olhos que brilharam, surpreendidos. Tornou a sorver uma colherada mais cheia, mais considerada. E sorriu, com espanto: - Está bom!

Estava preciso: tinha fígado e tinha moela: o seu perfume enternecia: três vezes, fervorosamente, ataquei aquele caldo.»

sábado, 27 de julho de 2024

CONVERSANDO

Numa das suas excelentes críticas de Gastronomia que José Quitério deixou nas páginas do Expresso, um dia deixou reparo.

O menú do restaurante só exibia pratos de peixe e carne em ritmo de grelhados.

O excelso crítico concluía: quando assim acontece, ficamos a saber que o cozinheiro não quis trabalhar!

Por este Cais, quando se abusa de citações de livros e jornais, os viajantes poderão concluir que o escriba não esteve para se chatear!...

Mas, de facto, está um calor infernal!...

Volta e meia sente uma dorseca nas costas, onde quer que seja!...

Uma das coisas de que tem medo nesta já velhice, não é o repetir-se, antes certa decadência mental, o começar a dizer disparates sem dar dar conta…

A GERAÇÃO MAI BEM PREPARADA DE SEMPRE?

 «Este é o tipo de artigos em que já se sabe de antemão as críticas, mais “bocas” do que críticas, que vai receber. Passadista, “velho do Restelo”, velho tout court, arrogante, reaccionário, antiquado, com incompreensão do que é a “nova” geração e as mudanças culturais em curso, com uma visão ultrapassada do que são as novas “competências”, não compreendendo os novos “saberes”, preso a um mundo que já acabou e a um elitismo sem sentido numa sociedade muito mais igualitária, em que os “saberes” do passado são inúteis. Muito bem, é tudo isto, mas, mesmo assim, reafirmo que o mundo cultural circulante nos dias de hoje é particularmente pobre, é pobre de referências, é pobre de “histórias”, é pobre de vocabulário, e alimenta uma ignorância agressiva, em particular nas redes sociais, e isso é péssimo para a democracia. Ainda mais, é um mundo que pela sua fragilidade cultural é particularmente sensível às modas, sem qualquer distanciação e consistência:»

José Pacheco Pereira no Público de Hoje

sexta-feira, 26 de julho de 2024

OS DIAS VISTOS DO CAFÉ DO MONTE

«O tempo tudo muda. Antes de a União Soviética se ter tornado no paraíso dos pobres e oprimidos, o sonho que se acalentava era a América. Fartura de horizontes e de trabalho (que escasseava por cá), cidades e estradas largas e o cinema (ah! o cinema!), cadillacs e arranha-céus desvairados, o progresso a todo o vapor ou, melhor dito, a gasolina, pois que a cada cámone – muito antes dos camónes de Molero, invenção maior de Dinis Machado, esse cometa solitário das letras portuguesas que bem podia ter nascido americano – se atrelava um carro, pelo menos. Dizia-se. E um futuro revolucionário que só mais tarde haveria de ler Babbitt de Sinclair Lewis, desconfiado ainda assim de tanta e tamanha largueza, propunha com pragmatismo que mais sensato seria adiar os cadillacs e reivindicar uma bicicleta a pedais para cada português, era Eisenhower presidente dos states e Américo Tomás ainda ministro da Marinha.»

«Um dia perguntaram-me na América: “Já tem muitos Marc Chagall na sua colecção?”. Coisas de ricos. E, na mesma viagem, o porteiro de um casino sorriu-me, enquanto eu transcrevia para um caderno o horário das frozen margaritas gratuitas: “Are you writing a poem?”, disse ele e eu naquele momento acreditei ter compreendido tudo: a América só podia ser terra de grandes romancistas.»

Ana Cristina Leonardo, de uma das crónicas no Público.

DOS REBOTALHOS E COISAS ASSIM...


 A esperança média de vida dos norte-americanos tem vindo a diminuir.

As causas são a miséria, o alcoolismo, a fome, o abandono.

A América é uma reserva de ignorância.

 Na América do interior do profundo nada acontece, para além do desemprego, da miséria, o terreno mais que fértil de uma enorme reserva de ignorância. Sim, a ignorância e um longo mergulho no vazio, o insuportável vazio de onde nunca se sai. São esta gente que elegeram Bush filho por duas vezes e Trump e se preparam, de novo, para o colocarem na Casa Branca são personagens que vivem na mais profunda solidão. O seu futuro é incerto e a tragédia está sempre à espreita.

É essa América profunda, que aparece nesse belíssimo filme «Três Cartazes à Beira da Estrada» e que certa literatura, certo cinema, tantas vezes nos trazem , uma miséria e uma ignorância abissais, uma classe média baixa, triste no seu viver, mergulhada no álcool e na televisão, nos churrascos pelos domingos nos jardim da casa, com bandeira à porta, alguns dias de campismo, pescar à beira de um lago, o carro, o cão, os mais diversos electrodomésticos que os deixam quase dinheiro.

Sim, há Nova Iorque, mas isso não é a América, é um caso de estudo.

Lionel White, um escritor de policiais, de segunda ou terceira ordem, deixou escrito num dos seus livros:

«Há ocasiões em que odeio Nova Iorque e os milhões de pessoas apressadas, nervosas e egoístas que a povoam. Uma pessoa inocente pode ser brutalmente assassinada perante meia centena de testemunhas sem que ninguém levante a mão para a defender ou para, sequer, dar o alarme.Pergunto-me se terá sido isto que sucedeu a Karl Swendson.Uma coisa é certa: passaram a poucos palmos da valeta onde jazia o seu corpo esfacelado pelo menos vinte pessoas, e nenhuma delas se dignou ver se estava ligeira ou gravemente ferido, se estava vivo ou morto. Nem uma se deu ao trabalho de telefonar a Polícia.»

1.


Recorte do Expresso, 28 de Junho

Estavam sem trabalho 304 946 pessoas no final dos primeiros seis meses do ano, uma subida de quase 10%. Mais do que em Maio, quando se registou um aumento de 8,5%, e do que há um ano, altura em que o desemprego caiu quase 2%.

2.

Menos de 10% das câmaras têm plano para migrantes. Lisboa e Porto com muito trabalho a fazer. Em 309 municípios apenas 23 actualizaram planos para a integração em  2022 e 2023.

3.

Alguém terá dito que as amizades nunca estão terminadas, ficam ocasionalmente abandonadas.

4.

«Algo está sempre a acontecer. Por isso escrevo. Escrevo porque algo aconteceu ou acontece. Escrever é isso, mas escrever é sobretudo produzir acontecer».

Ana Hatherly em Tisanas

OLHAR AS CAPAS

 


Poemas Reunidos

Luís Filipe Castro Mendes

Prefácio: Nuno Júdice

Assírio & Alvim, Lisboa, Fevereiro de 2018


Carta a Fernando Echevarria


Estes versos que lês, caro Fernando,

buscam em metro e rima duro mando.

Como se na medida e no rigor

pudessem esquivar-se do sabor

das mastigadas fórmulas sem amo,

academismo vão que se fez presa

de um poetar sem cor e sem surpresa.

No alto e frio rigor da poesia

teus versos são cristais, na demasia

talhados, como pedra se lapida

e brilha, diamante, contra a vida.

Um dia me falaste de uma aura

que ao poeta preserva, como em jaula

de luzes e crepúsculos doirados

a fera aguarda o salto. Transviados,

nossos passos perdíamos no cais

em frente ao Châtelet e nunca mais

pude esquecer o teu conselho certo:

- Tempo podes perder, mas não um verso.

ARTE POÉTICA

Num romance, uma chávena é apenas
uma chávena – que pode derramar
café sobre um poema, se o poeta,
bem entendido, for a personagem.

Num poema, mesmo manchado
de café, a chávena é certamente a
concha de uma mão – por onde eu
bebo o mundo, em maravilha, se tu,
bem entendido, fores o poeta.

No nosso romance, não sou sempre
eu quem leva as chávenas para a mesa
aonde nos sentamos à noite, de mãos
dadas, a dizer que a lata do café chegou
ao fim, mas a pensar que a vida é
que já vai bastante adiantada para os
livros todos que ainda pensamos ler.

No meu poema, não precisamos de café
para nos mantermos acordados: a minha
boca está sempre na concha da tua mão,
todos os dias há páginas nos teus olhos,
escreve-se a vida sem nunca envelhecermos.

Maria do Rosário Pedreira em Poesia Reunida 

quinta-feira, 25 de julho de 2024

OLHAR AS CAPAS


 Estrada

Manuel Mendes

Capa: Manuel Ribeiro de Pavia

Colecção Contos e Novelas

Sociedade de Expansão Cultural,  Lisboa, Outubro 1952

Também já andei embarcado. Tempos que lá vão!... Mas isto da estrada, por mais que digam, é outra coisa…

É A DEMOCRACIA QUE ESTÁ EM JOGO


Num discurso de 12 minutos, Joe Biden explicou por que razão decidiu sair da corrida presidencial e deixou vincado que é a democracia que está em jogo e que nada pode interpor-se no caminho de a salvar.

«Decidi que o melhor curso de acção é passar o testemunho a uma nova geração, que isso é a melhor forma de unir a nossa nação.«Há um tempo e um lugar para longos anos de experiência na vida pública. Há também um tempo e um lugar para novas vozes, vozes frescas, sim, vozes mais jovens, e esse tempo e lugar é agora».

Ficou por explicar a persistência em não condenar energicamente os massacres de Israel em Gaza, no exacto dia em o ditador Netanyahu provocou um espectáculo indecoroso na sala do Congresso Americano, chamando idiotas aos que em todo o mundo criticam os massacres que diariamente impõe ao povo palestino, enquanto exigia, o envio rápido de mais armas para Israel.

Legenda: congressista norte-americana durante o discurso de Netanyahu.

TELEGRAMA SEM CLASSIFICAÇÃO ESPECIAL

                                                           Ao Egito Gonçalves

 

Estamos nus e gramamos.

 

Na grama secular um passarinho verde

canta para um poema lírico, para um poeta lírico, 

que se nasceu

é certo que não cantou.

 

As paisagens continuam a existir.

As paisagens são suaves.

Continuam também a existir

outras coisas

que dão matéria para poemas.

A vida continua.

Felizmente que há ódios, comichões, vaidades.

A estupidez, esta crassa crença intratável, esta confiança

             indestrutível em si mesmo,

é o que felizmente dá uma densidade, uma plenitude a isto.

 

Num mundo descoroçoante de puras imagens

é bom este banho de resistências, pressões, vontades, atritos,

é bom navegar.

porque este presente é logo saudoso.

 

Na grama um passarinho canta.

Evidentemente que o poeta suicidou-se.

 

A vida continua.

Certas coisas que pareciam mortas

estão agora vivas ou, pelo menos, mexem-se.

Ausentes, dominam-nos.

Não é para nós que utilizam as palavras, 

que insistem,

não é para nós!

Estes grandes ornamentos, estes sábios discursos

fluem em visões, em ondas, como se não no presente.

Ter-se-á o presente extinguido?

A vida continua tão improvávelmente.

 

Na grama um passarinho canta.

Canta por cantar, ou não, canta.

 

Eu poderia, com rigor, agora

cantar:

                      Os anjos exactos

                      que empunham tesouras

                      de encontro aos factos

                      - ó minhas senhoras!

 

Ou rigorosamente ainda,

com veemente exactidão,

inutilizar o poema,

todos os poemas

 

porque

 

Estamos nus e gramamos.


António Ramos Rosa de Viagem Através de uma Nebulosa em Obra Poética Vol. I

quarta-feira, 24 de julho de 2024

TRUMPALHADAS


Há dias, no Público escrevia José Pacheco Pereira:

«Trump poderá ter a legitimidade para governar, mas não tem legitimidade para fazer o que quiser, para se substituir à lei e à Constituição, actuar como um ditador pessoal, que está acima da lei, e ser “ditador por um dia”, vingar-se dos seus adversários e entender a sua imunidade como podendo matar alguém em plena 5.ª Avenida, como uma vez afirmou. Mas, quando se apresenta um homem como sendo a mão terrestre de Deus, a pressão sobre a democracia é global, porque a vontade do ungido é que é a lei. O que vale a democracia quando é a mão de Deus que está a actuar?»

Trump, se for eleito presidente, fará o que quiser.

Tal, como em recente comício no Milwaukee, disse:

“Façam as malas já e voltem aos vossos países”!

Os últimos dados oficiais compilados pelo Pew Research Center, que datam de 2021, apontavam para a presença de 10 milhões de imigrantes indocumentados nos Estados Unidos, dos quais 39% eram oriundos do México e cerca de 20% de El Salvador, Honduras e Guatemala. Posteriormente, o Departamento de Segurança Interna registou cerca de sete milhões de entradas irregulares até 2023, número que não corresponde necessariamente a situações de permanência no país. Sem dados oficiais actualizados, um número repetido dentro e fora da convenção pelos republicanos é de 20 milhões de pessoas a viver irregularmente nos EUA, cuja população total era de 334 milhões de pessoas em 2023. 

A BOCA OUVE O SOLUÇO

A boca ouve o soluço das palavras

a terra expõe a fala

e provoca essa queda de palavras

nos lábios

Gastão Cruz em Teoria da Fala

terça-feira, 23 de julho de 2024

POSTAIS SEM SELO


Que fazer? Recomeçar? Sim recomeçar, insistir até gastar os olhos.

José Gomes Ferreira em A Memória das Palavras

OLHR AS CAPAS


 

O Clube dos Antropófagos

Manuel de Lima

Capa: Soares Rocha

Colecção Obras de Manuel de Lima nº 3

Editorial Estampa, Lisboa, Junho de 1973

No dia seguinte à sua entrada triunfal em Cuba, o Falcão mandou-me chamar por um criado. Interrompi imediatamente o trabalho e fui procurá-lo.

MÚSICA PELA MANHÃ

A prosa que Leonídio Paulo Ferreira publicou no Diário de Notícias de Notícias tinha por título: «Até um grifo veio ver no castelo de Marvão 'O Rapto do Serralho'».

Dava conta que a ópera de Mozart ouviu-se, num  findar de tarde ameno, a 800 metros de altitude, a abertura do Festival Internacional de Música de Marvão.

É comovente saber-se que neste país vão acontecendo espectáculos do outro mundo.

Ainda há dias aqui falei de Marvão, das maravilhas que sucediam durante as  muitas Festas da Castanha a que fomos, com febras da Chança grelhadas na tarde-noite outonal.

E o quanto gostaria de estarem Marvão a ouvir Mozart.

Mas Marvão não fica ao virar da esquina, não tenho carro, sequer carta de condução, e outros caminhos não são fáceis.

JÁ SE FALHOU QUASE TUDO


1.

« É o Trump da vingança que a maioria do Supremo que ele próprio nomeou declarou inimputável. Este é um momento incrivelmente perigoso para o mundo. Já se falhou quase tudo. Que não falhe o tão pouco que resta.»

Daniel Oliveira no Expresso

2.

Em declarações na sede de campanha democrata, em Wilmington, no Delaware, Kamala Harris enumerou uma série de casos com que lidou na sua carreira como procuradora, deixando patente o paralelismo com a vida de controvérsias de Donald Trump.

«Lidei com criminosos de todo o tipo”, começou por dizer Harris. “Predadores que abusaram de mulheres. Defraudadores que roubaram consumidores. Batoteiros que quebraram as regras do jogo para seu próprio benefício. Por isso, deixem-me que vos diga: eu conheço o tipo de Donald Trump».

TANTO DE MEU ESTADO ME ACHO INCERTO

Tanto de meu estado me acho incerto,
que em vivo ardor tremendo estou de frio;
sem causa, juntamente choro e rio,
o mundo todo abarco e nada aperto.

É tudo quanto sinto, um desconcerto;
da alma um fogo me sai, da vista um rio;
agora espero, agora desconfio,
agora desvario, agora acerto.

Estando em terra, chego ao céu voando,
numa hora acho mil anos, e é de jeito
que em mil anos não posso achar uma hora.

Se me pergunta alguém porque assim ando,
respondo que não sei; porém suspeito
que só porque vos vi, minha Senhora.

 

Luís de Camões em Sonetos

segunda-feira, 22 de julho de 2024

POSTAIS SEM SELO

Porque não são felizes os americanos? Porque trabalham que se fartam para pagar o que cada vez mais consomem sem verdadeiramente fruírem o que compram e, a bem dizer, não fazem mais nada.

Autor desconhecido

JORGE DE SENA SOBRE OS AMERICANOS

 

Jorge de Sena na sua Correspondência com Carlo Vittorio Cattaneo, tem diversas e variadas apreciações sobre os americanos.

Este pedacinho é retirado da  carta datada de Santa Bárbara de 16 de Novembro de 1971.

A FLUTUAÇÂO COM QUE OS AMERICANOS SE DEBATEM...


Como a América, a maior Democracia do mundo, apresenta dois candidatos presidenciais que não oferecem o mínimo de confiança?

 Joe Biden pelos seus 82 anos e os problemas que daí resultam e obrigaram a que desistisse, Donald Trump um vigarista, um aldrabão, um corrupto, um racista, um arrogante, um vaidosos, um inculto, um sabe-se lá mais o quê.

Os democratas terão agora que escolher um candidato para substituir Biden.

Uma tarefa repleta de dificuldades.

Tem sido, agora, apontado o nome da vice-presidente, Kamala Harris, mas não consegue reunir a unanimidade no partido, principalmente das suas elites e o tempo urge e o que era para ser feito em ½ anos, terá que ser feito em meia dúzia de meses.

Se bem que um vice-presidente não tem que ter uma presença constante, antes um trabalho de bastidores, diga-se que Joe Biden, de modo algum facilitou a vida a Harris, acabando por lhe dar a pasta da imigração e o enorme problema com o muro trumpiano que separa o México dos Estados.

Não foi nada feliz, por diversos e variados problemas, esse trabalho. 

JÁ QUANTAS VEZES GRITEI ASSIM?

Ah! que vontade de esbofetear o Silêncio!

De rasgar o céu com unhas de lágrimas

para  ver cair da Noite um sangue qualquer

nesta bola de ira

onde uma criança quase nua,

sozinha no Universo,

abre os olhos para haver estrelas…

 

Sim, estrelas

postas talvez ali de propósito para lhe enfeitarem a fome

com migalhas dum pão que ninguém come.

 

José Gomes Ferreira em Poesia III

domingo, 21 de julho de 2024

POSTAIS SEM SELO

Os acontecimentos e factos importantes chegam primeiro aos ouvidos do dinheiro.

Os pobres sabem sempre tudo mais tarde. Umas horas mais tarde, um dia mais tarde, um ano mais tarde, por vezes décadas, ou um século, mais tarde.

Gonçalo M. Tavares

E AGORA, ESTADOS UNIDOS?

Joe Biden desiste da corrida presidencial.

Como foi possível chegar a esta situação?

Como foi possível o Partido Democrata ter permitido que Joe Biden se recandidatasse?

Como foi possível que o Partido Republicano voltasse a candidatar  Donald Trump à presidência?

Tempos sombrios para os Estados Unidos. Também para o mundo.

Aqui há muitos anos, na eleição de um presidente democrata para os Estados Unidos, perguntaram a Fidel de Castro a sua opinião.

Não interessa muito, seja quem for, para nós é sempre o presidentes dos Estados Unidos e isso, como se sabe, não trás nada de bom. 

OLHAR AS CAPAS

O Romance que Samanta Nunca Escreveu

Claudio Hochman

Tradução: Juana Pereira da Silva

Capa: Carlota Blanc

Julião contou-lhe que escrevia poesia. Sonetos, apenas. Depois de ler Neruda, na adolescência, ficara fascinada com o desafio. Encaixar palavras numa métrica parecia-lhe muito mais divertido do que as palavras cruzadas e ainda lhe servia como arma de sedução. Escrevia-os num caderno e recusava-se a passa-los para o computador. Computadores e poesia são inimigos mortais, dizia.